Margem soul
Há viajantes de Intra_Rail para além da Fugas? Não os vemos. Nem nas pousadas, nem nos comboios. Permitimo-nos pensar que o mundo rural dá azo a isto e que Guimarães foi um acaso fora do tempo. Mas também sabemos que é nos períodos de férias escolares que o número de reservas nas pousadas dispara.
Depois de um polvo na portuense Casa Aleixo e de uma mão de tremoços em Lisboa, levamos um saco de lambujinhas para experimentar a cozinha comunitária da Pousada de Almada, a nossa quinta paragem. Quem não tem cão, caça com gato, por isso, planeiam-se lambujinhas à bulhão pato. “Hum… Isso é que vai ser mais difícil. Não temos cozinha”, nota o recepcionista, na casa dos 20 anos, que enverga orgulhosamente uma sweatshirt a dizer “Margem Soul”. “Se calhar podem ver no Youtube como se fazem amêijoas no micro-ondas…”, improvisa.
Quase todas as pousadas têm cozinha comunitária, para além de salas de convívio, muitas vezes áreas de jogos e equipamentos desportivos (em Almada, pode-se jogar futebol de cinco, por exemplo). Nós é que antecipámos erradamente. Mas numa varanda como esta, onde o espanto não tem pausas ao ver Lisboa ao fundo, a Ponte 25 de Abril e o Cristo-Rei, as lambujinhas até poderiam servir-se cruas. Daqui não dá vontade sair, ainda que a estadia seja curta.
Al Mutamid, o poeta
Aceleramos. Pelo menos em mente. Na estação de Santa Clara, no concelho de Odemira, há mochileira à vista. Cathelijne, de 34 anos, carrega primeiro a filha e depois a bagagem para dentro da carruagem. Vai a caminho de Faro, para apanhar o avião, depois de mais uma visita ao Alentejo. “Descobri Portugal há 15 anos. Tinha um namorado português e viajávamos muito de comboio. Tínhamos o tempo que precisávamos para olhar, fazer as nossas coisas... Ainda me lembro dos comboios velhos, com a porta aberta virada para o rio e o sol a entrar...” Mas o caminho-de-ferro tornou-se, para Cathelijne, mais romântico do que prático. “Venho da Holanda, onde podemos apanhar um comboio em qualquer lado. E acho que em relação a isso Portugal é um pouco limitado. Sobretudo em zonas como o Alentejo”, constata.
Da Estremadura ao Algarve, o caminho é de papoilas e pastos quentes. Não tarda e seguimos mar adentro: Albufeira, Loulé, Faro, com um regional à nossa espera e nós à espera de Tavira, onde, para além da fala em línguas que não a nossa, ferve a mouraria toda. Entramos em terras de Al Mutamid, o ex-govenador de Silves e rei-poeta que chorou o destino, o amor e a juventude durante o cativeiro em Aghmat, em Marrocos. “A mão da aurora havia-me roubado as estrelas”, escreveu, para que o imaginássemos sobre os lençóis da ria a observar flamingos e cegonhas. E quando detalhamos o mapa, entre atravessar as águas de barco para a ilha de Tavira ou apanhar um comboio-miniatura em Pedras d’El Rei, pensamos em Al Mutamid.
Ao chegar à praia do Barril, há um cemitério de âncoras sobre o areal. Até aos anos de 1960, viviam ali uns 80 pescadores, ligados sobretudo à faina do atum. As casas ao fundo, que eram as suas, são hoje restaurantes e lojas, como a da dona Amélia (nome fictício), que ali está há 30 anos a vender calções de todas as cores e que diz que “este ano há pouco turismo”.