De um edifício plantado em plena Praça do Toural – junto ao café Milenário, que na verdade tem 63 anos –, saem acordes acelerados, “música de contra-ataque”, como cataloga a banda. Sabendo que há um antes e um depois de Guimarães ter sido a Capital Europeia da Cultura, em 2012, não nos espanta que assim aconteça. Deixam-nos subir ao Laboratório das Artes, onde decorre o sound check para o concerto dos vianenses Mr. Miyagi. Na sala voltada para o sol recente, fumam-se cigarros e comem-se batatas fritas. “É um espaço que está um bocado ao abandono”, expõe o produtor da editora vimaranense Revolve, que decidiu movimentá-lo esta noite.
Mas é ao Centro Cultural Vila Flor que vamos, para embarcar no Westway LAB Festival, que privilegia a música independente. Os Sensible Soccers enchem a sala e o peito. São quase 200 ouvintes psicadélicos, na faixa entre os 20 e os 30 anos, a rezar para que as cadeiras sejam dançantes. Saem em corrida para o Grande Auditório ainda a acabar de bater palmas. Noiserv é a seguir. Oferecem-nos bilhetes. “Tomem lá. Não queremos ir.” Guimarães continua, até à Praça da Oliveira, até que a juventude aguente, até aos lençóis da pousada, já a cabidela irá longe.
Sereia à vista
Até Vila Nova de Cerveira são pouco mais de três horas. Quanto mais se sobe, mais Minho é. Se não fosse impossível, perfuraríamos túneis de choupos e carvalhos à velocidade de domingo, com o rio e a Galiza a espreitarem de folha em folha. Num pequeno ilhéu de Cerveira, Gonçalo, que parece ter cinco anos, insiste convicto: “Estava ali uma sereia! Eu vi!” A mãe apenas ralha para que ele não caia na água. Não sabemos se por medo da sereia.
A vila plantada neste beiral de Espanha foi, desde sempre, dada à imaginação, não fosse o vale do Minho nascente de dezenas de lendas, como a da Fonte dos Porcos ou do Rei Cervo, que formam a espinha de muitos projectos teatrais do grupo Comédias do Minho (CM). Encontramo-los à hora do acaso no restaurante Luso Galaico a comer filetes de pescada em dia de espectáculo.
Apesar de o “luso” vir primeiro, fala-se mais galego do que português, como, de resto, na vila inteira, mas também porque hoje é a apresentação da peça El Barco de Ávila, da Compañia Lagasca, de Castela e Leão. “Somos cinco grupos de teatro amador, um por município: Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira. E as pessoas que os compõem são muito distintas”, explica Celeste Domingues, responsável de comunicação. Criaram-se as CM há 11 anos para que os minhotos comunicassem entre si e a eles, mais tarde, juntaram-se companhias da Galiza e de Castela e Leão.
À entrada do CineTeatro, na calmaria de domingo à noite, o director artístico, João Pedro Vaz, natural do Douro e agora entregue ao pano mais verde de Portugal, comenta que o Minho lhe parece mais “igualitário”. “Há mais associativismo, o que, aliás, se manifesta nas muitas festas do Minho. De Junho até ao final de Agosto, quem quiser pode andar sempre em festa!”
Para já ficamo-nos pelo teatro. Do cimo da serra d’Arga, o cervo moldado por José Guimarães vigia-nos os passos até à pousada, antiga escola primária voltada para o rio. De manhã, a bilheteira há-de estar cerrada e os bancos à espera do comboio vindo de Valença.