Fugas - Viagens

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Macau, uma dança perpétua de contrastes

Entretanto, dos braçados de flores já só restam umas folhas pisadas aqui e ali no passeio de cimento. Mas voltaremos a vê-las arrumadas em bancas pelas ruas da cidade, principalmente ao largo do Mercado Vermelho, um edifício típico dos anos 1930 onde se vende sobretudo carne e peixe e à volta do qual gravita um bairro de bancas de fruta, legumes, flores e comida de rua, pequenas lojas de pivetas (incensos), bolachas, alfaiatarias e quase tudo quanto se possa imaginar. “Aqui as pessoas vão ao mercado duas vezes por dia”, conta Alorino Noruega, responsável pelas relações públicas do Turismo de Macau. Uma obsessão pela frescura dos produtos que prende rãs vivas em redes sobre as bancadas, peixes que ainda respiram com as entranhas de fora, outros chapinham em dez centímetros de água. “Eles matam o peixe com uma paulada na cabeça. Pode impressionar”, tinha-nos avisado à entrada.

Ruas portuguesas, sangue chinês

Nas ruínas de São Paulo, hordas de turistas acotovelam-se para tirar a melhor fotografia da fachada da antiga Igreja de Madre de Deus. Vendem-se selfie sticks de cabo colorido em forma de bonecos infantis em todas as lojas e há sempre alguém de braço esticado a ensaiar a melhor pose nas escadarias que desembocam lá em cima, na intrincada fachada de janelas e portas abertas ao vazio. Faz dez anos que o centro histórico de Macau foi classificado como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO e as ruínas do Colégio de São Paulo — a primeira universidade de modelo ocidental erguida no Extremo Oriente, destruída num incêndio em 1835 — são atracção nevrálgica, o monumento das prateleiras de recordações. [Outro rei do souvenir, de não menor propósito simbólico, centra um galo de Barcelos entre um cravo de Abril e lanternas de papel chinesas.]

À direita, os vestígios de outras alas da escola construída pelos jesuítas no século XVII conduzem-nos até à Fortaleza do Monte, edificada na mesma altura. A estrutura, que até ao século XIX foi a residência oficial do governador, é desde 1998 o Museu de Macau, inaugurado por António Guterres um ano antes da transferência de soberania da região para a alçada da China. No interior, uma interessante síntese daquilo que a própria classificação da UNESCO pretende atestar em edificado: a herança de um encontro harmonioso entre o Oriente e o Ocidente numa influência mútua de culturas, tradições e estéticas ao longo de mais de 450 anos.

Lado a lado, a frontaria solitária da antiga igreja e o pequeno Templo de Na Tcha são símbolo máximo dessa convivência. Umas ruas acima, a Igreja de Santo António, a Casa Garden (hoje gabinete da Fundação Oriente), o histórico cemitério protestante e o Jardim de Camões, onde encontramos muitos idosos a praticar tai-chi ou a jogar cartas de dominó chinês. “Há muita sombra, por isso preferem vir para aqui e não gastar electricidade em casa”, conta Alorino Noruega.

A temperatura sempre quente e a humidade elevada obrigam a que os ares-condicionados sejam parte integrante de qualquer fachada. Por entre as vielas das zonas residenciais mais antigas, o som dos aparelhos e a água que lhes cai em pingo a bater nas características varandas em gaiola de ferro e chapa de zinco chegam a ser a única e bucólica banda sonora. [A superstição diz que as grades servem para prender os espíritos bons dentro de casa. A teoria mais pragmática assume-as como quase uma divisão extra, numa região onde a falta de habitação, e consequente preço elevado, é um dos principais problemas. Um apartamento no prédio mais degradado dificilmente custará menos de 650€ por mês.]

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