Fugas - Viagens

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    A península de Akamas, na parte ocidental, é uma das regiões menos exploradas da ilha St Gerardi
  • Aqueduto de Kamares
    Aqueduto de Kamares St Gerardi
  • As igrejas são testemunhas da fé e as montanhas de Troodos sempre foram, ao longo dos tempos, lugar de refúgio
    As igrejas são testemunhas da fé e as montanhas de Troodos sempre foram, ao longo dos tempos, lugar de refúgio Cyprus Tourism Organization
  • É no Chipre que se faz o vinho mais antigo do mundo
    É no Chipre que se faz o vinho mais antigo do mundo Cyprus Tourism Organization
  • Praia de Dasoudi, em Limassol
    Praia de Dasoudi, em Limassol F. Cappellari
  • Amphora Cave Dive, em Aya Napa
    Amphora Cave Dive, em Aya Napa Scubacube
  • Teatro Kourion, em Limassol
    Teatro Kourion, em Limassol F. Cappellari
  • Baía de Nissi, em Aya Napa
    Baía de Nissi, em Aya Napa Cyprus Tourism Organization

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Segredos bem guardados na ilha da deusa do amor

A procissão acaba de se recolher, os peregrinos abandonam a igreja, misturam-se pelo adro e um grupo de pessoas junta-se, há já algum tempo, em volta e com os olhos colados num enorme cálice dourado cheio de água.

Tudo o que atrai o turista, ou quase tudo, nas igrejas de Troodos está envolto numa aura de mistério. Não se vê nem uma parte ínfima da verdadeira cruz, tão-pouco se sabe se existe, mas Omodos, enquanto a festa decorre, agora com vendedores mais sorridentes, atrai os fiéis que aceitam, sem contestar, que este lugar sagrado também acolhe o crânio de São Filipe e mesmo algumas linhas das cordas que serviram para amarrar Jesus Cristo à cruz.

E provavelmente estão certos.

Na água, os salpicos da essência de rosas, deitados sobre o cálice dourado pela mão direita de homens que colocam a mão esquerda sobre o coração, produzem desenhos sedutores. Mas ninguém parece reparar neles. A água é uma preocupação na ilha. E a seca uma inquietação já retratada em Limões Amargos, obra de Lawrence Durrell, cuja permanência em Chipre, nos anos 1950, lhe permitiu escrever que “a água é tão rara em Chipre que ela é vendida à parte”.

O que o escritor britânico, nascido em Jalandar, na Índia, também autor de O Quarteto de Alexandria, pretendia dizer é que, na ilha, quando se compra uma casa, o mais importante é adquirir o direito de ter água. 

Os cânticos dos religiosos atravessam o espaço, resgatam-me aos pensamentos, há mais uma dúzia de gotas tombando sobre o cálice dourado mas, por instantes, é o cheiro do manjericão que preenche o ar, o ramo mergulhado nas águas, sacudido em volta, sobre a cabeça dos crentes pelo bispo de Paphos até ser lançado sobre a multidão que enche o adro da igreja — o manjericão, planta sagrada, terá crescido em volta de Jesus Cristo no dia em que ressuscitou.

De repente, os fiéis, como uma vaga enfurecida, precipitam-se sobre o cálice, brandindo no ar centenas de garrafas de plástico que não tardam a ficar cheias da água acabada de benzer pelo bispo. Homens e mulheres, com grande tenacidade, procuram romper por entre aquela maré enfurecida e, em poucos minutos, o recipiente fica vazio — há apenas umas gotas com que meia-dúzia de mulheres refrescam a face.

Quando os crentes partem, Omodos recupera a sua quietude diária e a mais encantadora das aldeias vitícolas (krassochoria) de Troodos revela o seu verdadeiro carácter: caminho pelas suas ruas e vielas envoltas numa serenidade apaziguadora, observo os artesãos trabalhando em paz, sorridentes, os velhos lagares e casas elegantes e exemplarmente restauradas e não parto sem provar algumas das especialidades da região e o bom vinho que se produz na zona.

À minha frente ergue-se, imponente, subindo até quase 2000 metros, o Monte Olimpo, verdadeira sentinela da maior cadeia montanhosa da ilha, mas o asfalto, com as suas curvas revelando segredos a cada instante, convida-me a prosseguir. Em pouco tempo, sinto o pulsar do coração do maciço de Troodos, representado, em toda imponência, pelo mosteiro de Kykko, a 1500 metros de altitude e o mais rico e o mais célebre de todos em Chipre.

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