Construída com pedras de origem vulcânica que se encontram na região, as representações que decoram os seus muros são um testemunho verdadeiro e inestimável de mais de cinco séculos de arte religiosa, com as suas personagens do século XII, expressando um ar nobre e de profunda espiritualidade, como exemplares máximos e bem característicos do período em que viveu o imperador Comneno. Mas a igreja sofre também a influência dos modelos ocidentais, como se pode observar numa zona da parte central da abóbada, em quatro cenas da vida de Cristo que datam do século XIV — e tantas são as pinturas e tão fácil a leitura que, mais do que serem olhadas, devem ser vistas, percorrendo-as com a atenção que se deve dedicar a um livro.
Nicósia, com as suas muralhas venezianas divididas pela cidade dividida, fica para trás e logo começam a surgir placas indicando a direcção de Kyrenia, onde chego ao fim de menos de meia hora. A primeira imagem seduz de imediato, o seu porto pitoresco reflectido nas águas calmas, as mesas dos cafés e dos restaurantes enchendo a atmosfera ainda de mais cor. Mas a popularidade da cidade — um dos lugares preferidos dos oficiais ingleses reformados durante a ocupação — resulta também de um conjunto de atracções que rapidamente prendem o olhar.
Kyrenia, ou Girne, como lhe chamam os locais, foi fundada por gregos no século VII a.C. mas os romanos, os venezianos e os otomanos deixaram igualmente a sua marca na arquitectura, reforçando as suas linhas defensivas para se precaverem das investidas dos invasores.
Dominando o porto que goza de uma posição estratégica no norte da ilha, o castelo de Kyrenia foi levantado no século XVI pelos venezianos, alegadamente sobre os escombros de um forte dos Cruzados. Investigações levadas a cabo no lugar sugerem a existência de um castelo bizantino já no século VII (construído sobre um forte romano) para defender a cidade da ameaça marítima árabe, mas a primeira referência documentada remonta a 1191, ano em que foi capturado por Ricardo, Coração de Leão, a caminho da terceira Cruzada.
Anos mais tarde, Ricardo vendeu a ilha aos Cavaleiros Templários e, mais tarde, ao primo Guy de Lusignan, antigo rei de Jerusalém, cuja família subjugou Chipre durante quase 300 anos. Alvo de frequentes cercos, o mais longo de todos ocorreu no século XV e prolongou-se por quase quatro anos, obrigando os ocupantes a alimentarem-se de ratos.
Nos derradeiros anos do mesmo século, os venezianos assumiram o controlo de Chipre e, em 1540, paranóicos face aos avanços dos otomanos, deram ao castelo a forma que hoje apresenta. Dele não desfrutaram, os venezianos, mais do que 30 anos: consumada a chegada das tropas otomanas, partiram sem dar luta, enquanto o castelo sofria ligeiras alterações logo destruídas pelos ocupantes ingleses, que também o usaram como prisão para os membros da EOKA, em luta contra os colonizadores.
O castelo, ao qual se acede por uma ponte de pedra construída sobre o antigo fosso, abriga o túmulo do almirante Sadik Pasha, a quem se atribui a conquista da cidade em 1571, a cruciforme igreja de S. George, do século XII e preservada pelos venezianos, bem como o museu dos naufrágios, exibindo, entre outros artefactos, os restos de um navio mercante grego do século IV a.C., uma das mais antigas embarcações do mundo a serem recuperadas, juntamente com a carga.