Subindo por um trilho pavimentado, avisto dois elegantes pavilhões, ideais para um curto descanso antes de culminar a ascensão ao topo do penhasco Ming Yue (Lua Dourada), cerca de 220 metros acima do nível das águas do mar mas apenas 70 metros do rio Li – se a subida dificulta a respiração e provoca transpiração, a panorâmica é de cortar a respiração e estimula a inspiração.
A gruta da Flauta de Cana
Tendo agora o murmúrio do rio Li como companhia, caminho ao longo da margem oriental ao encontro da Dongzhen Men, uma porta parcialmente reconstruída e flanqueada por fragmentos originais das muralhas (cheng qiang) da cidade, erguidas durante a dinastia Song. A porta está situada no extremo nordeste do agradável Mulong Hu, um parque que acolhe o elegante Mulong Ta, um pagode da mesma dinastia mas inteiramente reconstruído e onde, todos os dias, depois das oito da noite, são habituais os espectáculos de música clássica chinesa e de ópera.
De bicicleta, percorro os cinco quilómetros que distam entre o centro de Guilin e a Ludi Yan, a gruta da Flauta de Cana, uma enorme galeria com estalactites, estalagmites e formações rochosas de formas tão bizarras quão maravilhosas, banhada por luzes de diferentes tonalidades – procure desdramatizar se vir pedaços de cimento e projectores camuflados e imperceptíveis desde a entrada e deixe-se levar, se a visitar em grupo (a evitar) e acompanhado de um guia, pela fértil imaginação chinesa. O nome da gruta, com uma extensão de 240 metros, deriva do facto de, mesmo à entrada, crescer um tipo de cana que permite criar flautas capazes de produzir as mais belas melodias.
Henry Kissinger, antigo secretário de Estado norte-americano, foi um dos mais ilustres visitantes da gruta da Flauta de Cana, inaugurada oficialmente em 1962 mas uma atracção turística com mais de 1200 anos de existência – tem mais de 70 inscrições que, alegadamente, remontam ao ano 792 d.C., da dinastia Tang.
Henry Kissinger descreveu a gruta, localizada no sopé da colina Guang Ming, como “poética”. É bem capaz de ter exagerado na sua apreciação. Mas ninguém – nem mesmo eu – dá o seu tempo por perdido quando, durante uma hora ou mais, vagueia por esta cave a quem os chineses também gostam de chamar “Palácio de Arte Natural”. E esse sentimento irá prevalecer e fortalecer-se quando, de repente, fixar os seus olhos, com natural êxtase, na caverna popularizada como o Palácio de Cristal do Rei Dragão, com o seu lago reflectindo as cores e as formações rochosas – e transmitindo uma sensação de paz que contrasta com um tempo de guerra em que serviu de abrigo aos bombardeamentos aéreos.
De regresso à cidade, deixo-me enamorar pela beleza das folhas vermelhas que atapetam a terra agora que o Outono avança e as árvores se encontram quase despidas e detenho-me, logo depois e por algum tempo, na aldeia de Lujia, nas margens do rio Flor de Pêssego, um tributário do Li Jiang, com as suas bonitas casas renovadas ao estilo tradicional do Norte da província de Guangxi. Estando tão próximo do ambiente por vezes frenético de Guilin, Lujia é um pequeno e sossegado cantinho onde se pode admirar a arquitectura daquela região, a vida rural, beber um chá na companhia de um ancião – ambos remetidos ao silêncio, ambos sorrindo, ele fumando o seu cachimbo e atirando com prazer nuvens de fumo que logo se dissipam, eu à procura das palavras que não encontro – ou simplesmente observando o mundo passando, vagaroso e humilde, à frente dos meus olhos.