Fugas - Viagens

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O céu ainda pode esperar, há outro paraíso na terra

Por esse rio abaixo

Não há um único turista mas, olhando bem, todos são turistas no barco que acaba de deixar o cais, com destino a Yangshuo, o ponto alto numa viagem por esta região. São pouco mais de 80 quilómetros e quatro horas dentro de uma embarcação onde sou o único europeu no meio de meia centena de chineses que correm de um lado para o outro, fazendo verdadeiras maratonas para captar o melhor ângulo, na ânsia de tudo verem ou de tudo fotografarem – e por isso observando pouco porque se escondem atrás das lentes da câmara. Mas, ao fim de uns minutos, agora que Guilin ficou para trás, percebo esta verdadeira angústia que contagia as crianças eternamente sorridentes, como compreendo também que tenha provocado, desde tempos imemoriais, um sentimento idêntico em aventureiros que viajavam de regiões longínquas para contemplarem com os seus próprios olhos esta verdadeira poesia da natureza.

“Ouvi falar do nome rio Lijiang há muito tempo. Hoje visito o rio Lijiang. É mais vívido e genuíno do que eu pensava. Não há outro lugar como Guilin. Faz-me pensar nas tradicionais pinturas chinesas”, admitiu, em 1998, durante uma visita a esta cidade da Região Autónoma de Guangxi Zhuang, o antigo presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, encantado com o cenário e desconhecendo que Jiang significa precisamente rio – o rio Li.

Como os compreendo, os aventureiros e os turistas de hoje, agora que navego nas águas calmas do Li, neste universo de uma beleza sonhadora, envolto por uma bruma azulada e pelos raios de uma luz quase sem brilho. As montanhas imitam figuras, têm nomes que poetas chineses, especialistas em semelhanças, lhes atribuíram: “Mulher esperando o pescador”, “Dragões saltando para a água”, “Colina dos nove cavalos”; rasgando docilmente as águas, pequenas balsas dos pescadores, indiferentes à passagem dos barcos, vivendo as suas vidas; crianças banhando-se; corvos-marinhos focados no ataque a mais um peixe; mulheres lavando as suas roupas; ainda mais indiferentes e mais indolentes do que os pescadores, os búfalos d’água gozando do prazer da água até que alguém os reclame para os trabalhos agrícolas.

O rio Li é como um berço - embala. Mas seria apenas mais um rio se não vivesse rodeado desta orografia, desta paisagem imortal, tão bem caracterizada pelos pintores chineses e logo transmitida, sem inveja mas com orgulho, ao mundo. Pintá-la é possível, com extremo rigor; descrevê-la é impossível, em rigor – esta é uma experiência para ser vivida e não para ser sonhada com base em relatos, por mais que se tente não ignorar pequenos detalhes. O rio Li, com as suas montanhas caindo sobre ele como se fossem varandas, não é feito de pormenores mas sim de grandiosidade.

O barco chega a Yangshuo, olho para trás e vejo um rasto cor de esmeralda inundando as águas. Os turistas chineses agitam-se, rostos emoldurados por um sorriso e um brilho nos olhos que interpreto como a materialização de um sonho. As crianças acenam-me e eu embrenho-me pelos mercados e pelas ruas antes que a noite volte a cair. A pedonal Xi Jie é onde o coração de Yangshuo bate com mais força, uma artéria para mulheres ponderadas nas suas decisões – as montras estão cheias de malas de conceituadas marcas, todas fabricadas (contrafacção) na China e vendidas a um preço irrisório (e mais ainda para quem domina a arte do regateio).

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