Fugas - Viagens

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O céu ainda pode esperar, há outro paraíso na terra

Corvos-marinhos pescadores

Cruzo a cidade de uma ponta à outra, atravesso o Li utilizando a ponte da Libertação, sento-me num mercado de comida, já na outra margem, e concedo ao corpo o pequeno prazer de desfrutar de mais um momento tranquilo, no Qixing Gongyuan, o parque das Sete Estrelas, assim baptizado para celebrar os sete picos das suas montanhas (quatro da montanha Putuo e três da Crescente) e que estão ordenadas de acordo com a constelação da Ursa Maior.

Cobrindo uma área de quase 140 hectares, o parque permanece como uma das mais originais atracções turísticas do país (aberto durante a dinastia Sui) e proporciona horas e horas de divertimento e de lazer. Há penhascos para subir, caves para explorar, espaços para piqueniques, macacos para observar e mesmo um jardim zoológico que é aconselhável a todos menos aqueles que sofrem de depressões. Por aqui me deixo ficar, atravessando a ponte das Flores, com o seu arco projectado nas águas para formar uma lua cheia, fitando as montanhas, a colina do Camelo, os múltiplos pavilhões, a Praça da Luz da China com os seus murais esculpidos na pedra que representam cinco mil anos de civilização chinesa e, finalmente, Shi Ji Bao Ding, um Ding (caldeirão) com quatro pernas e uma altura de quase cinco metros que é o símbolo de prosperidade do país e de um povo que vive em paz.

O sol escoa-se silenciosamente e a luz do crepúsculo perfila-se no horizonte no instante em que a colina da Tromba do Elefante surge no meu campo de visão. Mais próximos estão alguns elefantes de cimento que parecem banhar-se nas águas do rio. Por entre eles, espalhando sorrisos, nadam as crianças, felizes, com rostos expressivos, levantando dois dedinhos para a câmara fotográfica.

A noite cai, brusca, os pescadores, fiéis aos métodos ancestrais (com mais de mil anos e já descritos no Livro dos Sui, a história oficial desta dinastia chinesa), estão sentados nas suas barcas rudimentares de bambu, chapéus cónicos na cabeça, segurando uma cana na mão e iluminados pela luz débil de um candeeiro.  Uma outra cana, suspensa sobre duas cadeiras também de bambu, atravessa a pequena embarcação a toda a largura e, apoiados em cada um dos extremos, estão dois corvos- marinhos que, treinados pelos pescadores, não tardarão a mergulhar os seus bicos nas águas escuras do rio antes de regressarem aos barcos com um peixe preso com firmeza (porque um fio à volta da base da garganta das aves as impede de engolir os maiores e, uma vez puxado, funciona como um sinal do pescador) e que logo depositarão no lugar habitual.

Uns dedicam-se mesmo à pesca, seguindo gerações e gerações, outros parecem mais interessados na indústria do turismo. Mas nem uns nem outros retiram encanto às trevas iluminadas pela luz mortiça que vai tremelicando nas águas escuras do rio, aos pássaros no seu constante vaivém e à explosão de silêncio à medida que a noite avança. Talvez porque, questão de sobrevivência ou mera encenação, esta é a China que, embora com tendência para desparecer, se perpetua no imaginário do viandante.

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