Durante anos num impasse, a vontade dos habitantes acabou por prevalecer e a Gazprom teve mesmo de encontrar outro espaço, longe do centro histórico, para levantar o que será designado como Lakhta Center, baseado nos planos definidos para o Okhta Center mas a uma escala maior.
Também os apartamentos comunitários, conhecidos como kommunalki e uma herança da Revolução de 1917, têm os seus dias contados. Nessa época, há quase cem anos e em nome do colectivismo, a sociedade burguesa foi obrigada a partilhar estes espaços com os “camaradas proletários”. Tão bem caracterizados em alguns filmes, estes apartamentos, ora palco de tensões, ora cenário de gestos de solidariedade, ainda há bem pouco tempo eram habitados por mais de 10% dos cidadãos locais, dividindo entre eles cozinha, casa de banho e retrete.
A avenida do esplendor
Definitivamente, São Petersburgo traça o seu destino. E, todavia, quando se olha para ela, quando se percorrem as suas ruas e se erra pelas suas praças, tudo parece estar ali como sempre esteve, hoje como ontem. A primeira impressão pode não ser a mais positiva, talvez provoque mesmo uma certa tristeza: a pedra é cinzenta, o céu sobre o Neva é cinzento, até muitos dos gatos são cinzentos. Mas aos poucos — e mais ainda se a cortina do céu se abrir para umas horas de sol — São Petersburgo começa a despertar no visitante outros sentimentos e, no final, observados todos os grandes palácios, todas as construções magnificentes, essa agulha dourada do Almirantado, como um farol sobre a cidade, a paixão deverá ser, entre os turistas, a palavra mais utilizada para definir uma nova relação.
Um sentimento de gratidão enche a alma do visitante quando se avistam e se conhecem na sua intimidade algumas das mais magnificentes atracções — e mais de 80% do que foi construído durante os séculos XVIII e XIX é original. Como o palácio Stroganoff, como a catedral de São Isaac (sem esquecer a praça do mesmo nome), com mais de uma centena de sólidas colunas de granito que pesam cada uma 114 toneladas, como, ainda, a igreja de São Salvador do Sangue Derramado, levantada em 1907 no lugar onde caiu Alexandre II, com os seus bolbos e mosaicos, ou a catedral Kazan, atípica em relação às igrejas de São Petersburgo.
O sol rompe ao início da tarde e a cidade torna-se ainda mais bela do que quando parecia adormecida na sua tonalidade cinzenta. Há também lugares com menos turistas e mais silêncio, envoltos numa atmosfera serena. Aprecio, particularmente, na minha errância também tranquila, a catedral Vladimirsky e, mais distante, a igreja Chesme, em estilo gótico, vermelha e com listas verticais brancas, que surge como uma miragem à distância. Prestando tributo à batalha com o mesmo nome, a sua localização deve-se ao facto de Catarina I se encontrar neste lugar quando teve conhecimento da sua grande vitória sobre os turcos.
A cidade, com todo o seu peso histórico e tão monumental, também nos faz sentir pequenos, vergados à força que emana do mundo da arte, da sua literatura representada, entre outros, por Alexander Pushkin ou o nómada Fiódor Dostoiévsky, que mudou de casa 43 vezes e possibilita, nos dias de hoje, que os turistas (e amantes da sua obra) se passeiem por todo um bairro associado à vida do escritor.