Fugas - Viagens

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São Petersburgo: a janela virada para a Europa está a abrir-se para nova revolução

E haverá, no mundo, uma avenida mais literária do que a Névski Prospekt? Leia-se Nikolai Gógol:

“Não há nada mais belo do que a Avenida Névski, pelo menos em Petersburgo; ela é tudo para esta cidade. Não há esplendor que não brilhe nesta artéria, beldade da nossa capital. Sei que nenhum dos seus habitantes pálidos e funcionários públicos trocará a Avenida Névski por todos os bens do mundo. A Avenida Névski arrebata não só quem tenha vinte e cinco anos, mas também todo aquele a quem já cresçam no queixo pêlos brancos e tenha um crânio liso como uma bandeja de prata. E as senhoras! Oh, e às senhoras a Avenida Névski agrada ainda mais. De resto, a quem não agradará ela? Mal entramos na Avenida Névski, cheira-nos a passeio.”

E há a dança (o ballet russo, com Diaghilev e Nijinski no cimo da pirâmide), o teatro Mariinsky e a música, tão intimamente ligada à cidade, referências como Rimski-Korsakov (catedrático no conservatório de São Petersburgo), Tchaikovski (que estudou e veio a falecer nesta cidade), Prokofiev e Stravinski (também estudantes do conservatório), ou mesmo Shostakovic, um filho de São Petersburgo e cuja sétima sinfonia, Leninegrado, foi composta durante o cerco alemão que se prolongou por 900 dias, um dos mais cruéis episódios da história da humanidade, com um saldo de mortos (frio e fome) que superou um milhão.

Um visionário

Pedro, o Grande, tinha apenas nove anos quando foi proclamado czar, pouco depois de assistir ao massacre de toda a sua família. A seu lado, impostos pela guarda palatina, o irmão Ivan V e a sua meia-irmã Sofia, que era quem, de facto, exercia o poder e que ameaçou Pedro de morte — e este logo a encerrou num convento, iniciando, nesses últimos anos do século XVII, o seu reinado. Apostado na abertura da Rússia à Europa, Pedro viajou incógnito pela Prússia, Holanda, Alemanha, Áustria, França e Inglaterra, trabalhando como carpinteiro em arsenais e estudando navegação e o modo de vida europeu.

Em 1698, o czar regressou à Rússia e logo tomou medidas que passaram pelo uso de trajes europeus, cortar a barba, adoptar o calendário juliano e reorganizar o exército e a marinha. O passo seguinte foi encontrar saídas geográficas e, nesse sentido, enfrentou os turcos e conquistou Azov, na foz do rio Don, e empreendeu uma guerra contra os suecos para ter uma janela para o Báltico. É dentro deste contexto que ordena a construção, no pantanoso delta do Neva, da fortaleza de Pedro e Paulo, à volta da qual iria nascer uma nova cidade que o ajudaria a esquecer a tragédia familiar vivida em Moscovo e que marcaria uma nova era — da história moderna da Rússia.

Mas a empresa deste projecto não se revelava fácil: o Neva é um rio curto, com pouco mais de 74 quilómetros mas com uma foz que se estendia por 500 metros, lançando tanta água para o golfo da Finlândia como se fosse o Nilo. Recrutavam-se operários de todos os recantos do Império, tártaros, cossacos, homens de todas as províncias; não se pagavam salários, a deserção e as enfermidades estavam na ordem do dia e a morte multiplicava-se enquanto o rio, vítima do rigor dos invernos no Árctico, não parava de crescer.

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