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São Petersburgo: a janela virada para a Europa está a abrir-se para nova revolução

Por Sousa Ribeiro (texto e fotos)

Desde 2006, São Petersburgo já ganhou quase 500 hectares ao mar no delta do rio Neva e os projectos megalómanos multiplicam-se. Isto numa cidade onde há políticos que se recusam a viver num museu, contrariando as leis defendidas por Pedro, o Grande há mais de três séculos.

São Petersburgo é como uma janela que, todos os dias, pela manhã, se abre para o Ocidente. Já era assim, em 1703, quando Pedro, o Grande, fundou a cidade, com a ambição de abrir a Rússia, virada há seculos ao Oriente, para a Europa que tanto o seduzira nas suas viagens. Hoje, mais de 300 anos depois, São Petersburgo continua a piscar o olho aos países ocidentais e não faltam projectos, espalhados por diferentes quarteirões e pomposamente apelidados de “megaprojectos” ou “projectos do século”, para aproximar ainda mais a capital do Norte a metrópoles como Helsínquia, Paris, Veneza ou Copenhaga.

Para festejar o seu tricentenário, em 2003, São Petersburgo levou a cabo enormes trabalhos de restauração que lhe devolveram o lustro imperial, recordando os tempos em que, relegando Moscovo para segundo plano — durante 200 anos —, era uma urbe que respirava progresso e modernidade. No mesmo ano, Valentina Matvienko tornou-se governadora da cidade e, estando muito próxima do primeiro-ministro Vladimir Putin e do presidente Dmitri Medvedev, ambos nativos de São Petersburgo, não perdeu tempo a anunciar — é considerada uma enérgica dama de ferro nos círculos políticos mas a sua eleição ficou marcada pela suspeição — as suas intenções de modernizar a “Veneza do Norte”, rodeada pelos monumentos barrocos e neoclássicos herdados dos tempos de Pedro I e de Catarina II.

Desde 2006, São Petersburgo já ganhou quase 500 hectares ao mar no delta do rio Neva, na extremidade da ilha Vassilevski, no golfo da Finlândia, para abrigar aquele que será o futuro distrito portuário. Neste espaço, irá nascer a “Fachada Marítima” e um porto com capacidade para receber milhão e meio de passageiros por ano (três vezes mais do que em 2009, por exemplo) e que terá ligações a Moscovo, aos países bálticos e à Finlândia, um projecto estimado em mais 900 milhões de euros.

Numa cidade em verdadeira metamorfose, no seu coração histórico e mesmo nos arredores, todo o conjunto arquitectónico deverá estar terminado em 2020, englobando também uma zona residencial e uma city numa ilhota artificial com uma área de 75 hectares.

Toda esta megalomania, defendida por Valentina Matvienko com o argumento de que os de São Petersburgo não podem “viver num museu”, tem gerado forte controvérsia junto dos habitantes, principalmente entre aqueles que residem na ilha Vassilevski e que compraram os seus apartamentos com vista para o mar (afectada pela construção da zona portuária). Os defensores do ambiente também se queixam dos danos decorrentes dos trabalhos de polderização (entregues a uma empresa holandesa) mas a polémica maior reside num plano confiado, já em finais de 2006, a arquitectos do gabinete britânico RMJM e fortemente criticado por figuras mediáticas e cidadãos anónimos da sociedade civil de São Petersburgo. A Gazprom pretendia levantar uma torre de 400 metros em forma de chama — que será a sede da sua filial petrolífera — num quarteirão de negócios com 66 hectares, na confluência do Neva e do rio Okhta, mesmo em frente à catedral Smolny, obra de arte do barroco. A própria UNESCO admitiu, pouco depois, que a inscrição do centro histórico na lista de Património Mundial (desde 1990) podia estar em risco. As sondagens mostraram que perto de 80% dos cidadãos se manifestavam contra este crescimento que podia estar apenas na sua fase embrionária, receando que, a confirmar-se a construção, mais arranha-céus iriam encher o céu de São Petersburgo, abrindo-se um precedente que as leis, ainda em vigor, proíbem: foram editadas por Pedro I e inviabilizam a construção de edifícios com mais de 48 metros no centro histórico e mais de 100 metros na área que o envolve.

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