Fugas - Viagens

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Silêncio, vamos entrar no templo dos livros

Por Sousa Ribeiro

A 1 de Julho presta-se homenagem às bibliotecas, esses espaços que nos tornam mais ricos. Apanhamos boleia da data para viajar por algumas das mais magnificentes bibliotecas do mundo, percorrendo continentes e olhando para cidades como o Rio de Janeiro, Alexandria, Pequim, Washington, Sydney e Dublin de uma forma mais literária.

Sentado num banco do jardim, à sombra das tílias, esperava com ansiedade que a carrinha, de um cinzento escuro, estacionasse ao lado do coreto onde, no Verão, aos domingos, a banda tocava para uma plateia atenta. De quando em vez, os sinos da torre da igreja repicavam e exacerbavam essa ansiedade que nunca fui capaz de controlar. Não era o único a aguardar esse momento que tanto encantamento produzia no meu ser e, mal a Citroën assomava, vencendo as pedras da rua gastas pelo tempo, formava-se uma fila que nem sempre respeitava a ordem de chegada.

Lembro-me do cheiro, das prateleiras, de correr com os dedos e com o olhar os livros, dos cartões que eram preenchidos, a hora e o dia da entrega, a hora e o dia da devolução, esta última por vezes retardada por imprevistos sem justificação. E, de regresso a casa, apressando o passo, carregava os livros de folhas por vezes já escurecidas, ainda mais ansioso e desejando percorrer as suas páginas como se elas me mostrassem o mundo com que sonhava, aqueles relatos de aventuras para mim tão reais, rasgando os meus horizontes que, já por essa altura, não conheciam limites.

Na sexta-feira celebrou-se o Dia Mundial das Bibliotecas e, ao evocá-lo, escrevendo sobre algumas das mais emblemáticas do mundo, por onde passei numa ou noutra etapa da minha vida, esta é a memória mais vívida que possuo, um passado tão presente, como alguém que ainda hoje, num tempo tão distante, continua sentado a saborear o aroma das tílias antes de experimentar o odor que saía daquelas estantes aos meus olhos tão organizadas.

“Chega-se a ser grande por aquilo que se lê e não por aquilo que se escreve.”
Jorge Luís Borges

Um desafio para mim antes de vaguear por algumas das mais magnificentes bibliotecas do mundo, uma viagem por entre milhões e milhões de livros que, embora nos pudesse levar a outros pontos do globo, nos conduz por países tão distintos como Irlanda, Brasil, Egipto, Estados Unidos, Austrália e China, sem ignorar Portugal, cenário de alguns dos mais belos espaços tão impregnados de silêncio, onde a sabedoria é como um polvo com tentáculos, disponível para servir o leitor.

“Uma vez, na China, uma aluna da Universidade de Xi’an, perguntou-me o que se perde escrevendo. Difícil pergunta kafkiana. E lendo? Certa feita, Borges disse que deixava aos outros vangloriarem-se dos livros que tinham escrito e que a sua glória consistia antes nos livros que havia lido.”
Claudio Magris, Alfabetos

Alexandria, Egipto  

É a cidade de Alexandre Magno, de Cleópatra, a cidade onde nasceram Demis Roussos e Konstandinos Kavafis, a cidade lendária envolta numa profunda magia, a cidade da memória, imortalizada pelo poeta.

Disseste; Vou partir para outra terra, vou partir para outro mar.
Uma outra cidade melhor do que esta encontrar-se-á.
Cada esforço meu um malogro escrito está;
e é – como morto – enterrado o meu coração.
A minha mente até quando irá ficar nesta estagnação.
Para onde quer que eu olhe, para onde quer que fite por aí
ruínas negras da minha vida vejo aqui,
onde tantos anos passei e dizimei e dei em estragar.” 

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