Não entramos no recinto interior do castelo – raro em Portugal pelo seu forte cariz residencial, ao estilo inglês –, onde a torre de menagem divide protagonismo com a Torre da Princesa, local de várias lendas, conta Luís Costa: desde a princesa mourisca apaixonada por um nobre cristão que recusou o noivo escolhido pelo pai e aí foi mantida prisioneira, até à mulher do quarto duque de Bragança, D. Leonor, acusada de adultério e também encarcerada, passando pela irmã de D. Afonso Henriques que chorava as infidelidades do marido.
Entramos, sim, na Igreja de Santa Maria da Assunção, também conhecida por Nossa Senhora do Sardão: Luís Costa indica-nos a imagem num altar lateral e, apesar de o nome popular de sardão ter vindo, segundo a lenda, do facto de ter sido encontrada numa azinheira (sardão na Idade Média), há dois lagartos aos seus pés. É considerada a mais antiga igreja da cidade, mas a sua raiz românica foi escamoteada pelas obras posteriores que a deixaram com feições barrocas: desde o portal flanqueado por duas colunas salomónicas até ao altar-mor, talha dourada em profusão maneirista.
A capela da Nossa Senhora dos Prazeres é um apontamento renascentista oferta da família Figueiredo, cristãos-novos a quererem afirmar a sua conversão, e um euro acenderá a iluminação da igreja que fará resplandecer o tecto de madeira: abóboda de berço em trompe l’oleil e representação da Assunção da Virgem.
Quase colado à igreja, um dos mais emblemáticos (e enigmáticos) monumentos de Bragança, o Domus Municipalis, um dos raros edifícios de arquitectura românica civil da Península Ibérica cuja data de construção é pouco consensual mas geralmente apontada para o século XV. Em granito, tem como espaço principal a sala superior, uma galeria elegante na sua aspereza granítica, rasgada por arcada baixa fenestrada e acompanhada por bancos de pedra a toda a volta. Aqui se reuniria o conselho municipal ou de “homens bons” – por baixo, uma cisterna, com três acessos pela galeria de chão em cantaria, onde também se vêem traços riscados no que poderá ser o “jogo do galo”, aventa Luís Costa.
Na esplanada do Vila Café, às mesas de madeira compridas sob árvores só faltam clientes; nós seguimos novamente até à órbita da torre de menagem desta vez para começarmos a descer para a Porta da Vila. Detemo-nos no Largo de Santiago, à sombra da “primeira” muralha do castelo e de tílias frondosas, onde existiu a capela de Santiago, que foi sede de paróquia: agora, ergue-se aqui o pelourinho de Bragança, um dos seus monumentos mais notáveis. A sua singularidade resulta da união de uma figura ligada a um culto da Idade do Ferro, um berrão, que forma a base, com um pelourinho medieval. Quase dois mil anos de história da região se encontram congregados neste monumento que é conhecido como a “porca da vila”.
Na Rua D. Fernão o Bravo, a principal, uma loja de souvenirs fechada e o Museu Ibérico da Máscara e do Traje aberto. É aqui que o passado pagão destas terras – até Zamora – é revisitado através dos seus rituais de Inverno (Festas dos Rapazes) e Carnaval, que chegaram até nós e são cartazes turísticos de várias aldeias. Em três andares de um edifício totalmente restaurado, mas que já parece pequeno para tanto espólio, mergulhamos num mundo de simbolismo e cor, uma alegoria onde o bem e o mal, a luz e as trevas se materializam e se enraízam em tradições milenares.