Fugas - Viagens

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De Vespa numa Toscana de trufas e silêncio

Algumas curvas depois, atravessamos a pequena localidade de Partino. Umas curvas mais e chegamos a Palaia, uma vilazinha de casas pitorescas e varandas sobre o vale verdejante a perder de vista. A uns passos do centro histórico (que se desenvolve praticamente ao longo de uma única rua, embora vá ganhando diferentes nomes a cada trecho), surge, isolada, a igreja paroquial de São Martinho. Construída entre 1270 e 1300, tem o traço austero da época românica, embora já se notem influências góticas, nomeadamente nas janelas rasgadas junto ao altar. Junto à entrada principal, uma bacia de mármore tem no rebordo uma inscrição: “esta é a medida de vinho de Palaia que tem de ser enchida até aqui: feito durante o período de lorde Ubaldo”. Nada menos que o dízimo de vinho que os habitantes da localidade tinham então de pagar aos padres da paróquia.

Regressamos à rua principal de Palaia para visitar outra igreja românica, muito mais pequena, dedicada a Santo André. Passamos por baixo do Arco della Amore, encolhido ao lado da torre do relógio. Soa o sino das 12h. O sol semicerra as portadas de madeira das janelas, descobre as paredes descarnadas de alguns prédios. Alguns têm mesmo a carne de tijolos parcialmente à vista mas mesmo assim não perdem o charme — talvez seja o encantamento da Toscana. No edifício da câmara municipal, passeamos os olhos em frescos egípcios e cupidos de asas cortadas — naquela antiga casa senhorial, entretanto cedida ao município, vencia o “amor” racional. Lá fora, secam-se atoalhados e boxers masculinos numa das janelas da autarquia. O pequeno jardim, com uma piscina vizinha a brilhar lá em baixo, faz-se varanda sobre o verde-postal da região. Em breve, dali se verá todo o Outono.

Voltamos ao colo das Vespas, ao abraço das curvas que a baixa velocidade das motorizadas nunca torna apertado. “Ali fica o Teatro del Silenzio”, aponta Antonio, membro do Vespa Club de Pontedera, que hoje nos conduz num passeio organizado pela My Tuscany Travel. Não é mais do que uma vaga direcção. Dali não se vê o anfiteatro que Andrea Bocelli construiu na propriedade da família em 2006 e que visitaríamos no dia seguinte. O famoso tenor italiano, cego desde os 12 anos, nasceu em Lajatico em 1958. Os pais ali viveram a vida inteira, na quinta da família. O irmão, Alberto, está hoje à frente da propriedade e é a cunhada, Cinzia, que nos mostra os produtos da Azienda Agricola Bocelli. Mel, azeite e uma crescente gama de vinhos, a grande paixão do pai, que rejuvenesceram em sua homenagem.

Em 2006, Andrea Bocelli inaugurou um anfiteatro a céu aberto, entre um vasto manto agrícola riçado de colinas até ao anel do horizonte. Um palco circular, com esculturas de artistas internacionais, substituídas anualmente, e uma faixa de declive onde cabem 10 mil espectadores. Chamou-lhe Teatro del Silenzio. Desde então, traz ali músicos, actores e outros artistas de renome mundial para um espectáculo anual que enche de turistas as vilas e aldeias de Valdera. E numa única noite por ano — excepcionalmente três este ano, para comemorar o décimo aniversário — o silêncio do vale é substituído pela arte.

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