O silêncio entre o pequeno grupo é solene e a expectativa paira suspensa entre a sombra de choupos e carvalhos. Entramos por um cotovelo de bosque cerrado como se de um portal para um mundo mágico se tratasse. Deste lado fica a Toscana rural, feita de aldeias históricas e colinas de cereais e vinhedos. Para lá fica o mistério da caça às trufas, que durante anos os próprios trufeiros guardaram em segredo entre si. O manto de folhas secas estilhaça sob ténis e botas de montanha ao ritmo dos gestos sussurrados de Luca Campinotti. Ninguém ousa dar um passo em falso ou fazer algum barulho que perturbe a concentração de Birba. Afinal, é do faro experiente da pequena cadela que depende toda a experiência.
“Não prometo que consigamos encontrar trufas. É sempre um pouco imprevisível mas vamos tentar”, adverte o guia da Truffle Experience, uma actividade turística promovida pela Savini Tartufi. Desde os anos de 1920 que a família Savini apanha e comercializa estes “diamantes do bosque” em Palaia, município da região da Valdera, a cerca de uma hora de Pisa. Apesar de a região de Piemonte ser a mais afamada do mundo no que a trufas diz respeito, foi num destes bosques que Cristiano Savini, quarta geração de trufeiros, e o seu fiel cão, Giotto, encontraram aquela que durante sete anos ostentou o recorde de maior trufa branca do mundo. Foi em 2007. Pesava 1497 gramas e foi vendida num leilão em Macau (curiosamente no Grand Lisboa, então propriedade de Stanley Ho) por 330 mil dólares — até ao momento a mais cara de sempre.
Hoje, é Luca Campinotti, amigo de infância de Cristiano e membro da empresa há cerca de dez anos, que nos acompanha pelos bosques na caça ao fortuito fungo. Giotto reformou-se há poucos meses e é a dócil Birba que nos guia. Na década de 1970, a empresa começou também a conservar e transformar as seis espécies de trufas que se podem encontrar na região, aumentando sucessivamente a gama de produtos vendidos. Há poucos anos, expandiu-se ao turismo, com um pequeno museu e programas dedicados ao fungo subterrâneo, da descoberta à mesa. Desta vez, invertemos o ciclo.
Ainda durante o almoço, quase todo ele constituído por produtos da casa feitos à base de trufas (cremes e patés, mel, vinagre balsâmico ou mesmo esparguete), Luca mostrava-nos parte da colheita conquistada naquela manhã. Cuidadosamente embrulhadas entre panos de xadrez, surgiam duas mãos cheias de trufas brancas e negras. De um lado, pequenas mandrágoras ainda cobertas de terra, de perfume exuberante. Do outro, redondas pedras vulcânicas com o tradicional aroma térreo mais comedido. Mas se lá tivéssemos estado no dia anterior, não haveria nenhum daqueles raros glóbulos brancos para nos mostrar, contava Luca. Ainda no início da época de apanha da tuber magnatum pico, nenhum dos caçadores de trufas tivera sorte e o que sobrara da safra dos dias anteriores já tinha entrado na cadeia de processamento. Ali só se vende trufa ao natural no próprio dia, garantia da máxima frescura e auge das propriedades. Tudo o resto é utilizado na produção de derivados, garante.