Fugas - Viagens

  • Rodrigo Santos
  • Rodrigo Santos
  • Rodrigo Santos
  • Rodrigo Santos
  • Rodrigo Santos
  • Rodrigo Santos

Continuação: página 4 de 8

Laos, a floresta canta mais alto do que a modernidade

Com um ligeiro empurrão de Jay, de repente, os pés saem do chão e voam para a frente. O grupo aplaude, grita, assobia. O corpo reclina para trás – a velocidade aumenta. Ainda não se vê o fim da linha. A paisagem é verdejante e estende-se até ao horizonte. Naquele momento, durante alguns segundos, talvez escassos minutos, o viajante funde-se com a natureza – como se estivesse no meio do nada e o nada se confundisse com ele. De repente… já está! Desafio superado! O grupo troca cumprimentos, felicitações, comentários, sente-se a euforia no ar.

Pouco passa das cinco da tarde, mas o dia já começa a despedir-se de mansinho. A temperatura baixa e os arrepios, agora, são de frio, depois de a adrenalina ter deixado, por momentos, os corpos dos aventureiros. Jay explica que é preciso repartir o grupo pelas várias cabanas: existe uma menor para apenas duas pessoas e outras duas maiores. O acesso é feito, quase sempre, por zipline.

A cabana de Tom Sawyer

As cabanas apelam ao imaginário da infância: com raízes de Tom Sawyer polvilhadas de alguma modernidade. A maior tem três pisos. No inferior, está uma casa de banho com os utensílios essenciais: tem uma cortina a fazer de porta e, do outro lado, é aberta para a paisagem da floresta. Sob os pés, estão tábuas de madeira, com aparência sólida e com frinchas que permitem olhar até perder de vista - afinal, são 40 metros de altitude, o equivalente a um prédio com 12 andares. O chuveiro é de água fria, mas abundante. Quando cai, nas tábuas de madeira, escorre entre as frinchas e vai desaguar sobre o vazio. O ruído, exacerbado pelo silêncio da floresta, assemelha-se a uma daquelas chuvadas que antecedem a tempestade.

O piso intermédio é o mais amplo da casa. De um lado, tem um balcão, a servir de kitchenette, com água potável, e um armário com pratos, copos e talheres. Do outro, um espaço aberto que serve para dormir, em sacos-cama abrigados por pequenas tendas, e fazer as refeições, numa pequena mesa, quase ao nível do chão, ao estilo asiático.

O último piso não é – como reza a fama – o melhor. De dimensões muito reduzidas, cabem, apenas, um ou dois sacos-cama no chão. Mas é o ideal para quem gosta de ter uma boa vista.

Jay providencia fruta, água e uns doces tradicionais, em forma de quadrado cuja textura se assemelha a gelatina. Explica que vai sair para ir buscar o jantar – de zipline. Na cabana, ficam 11 pessoas, entre as quais um árabe, dois portugueses e vários holandeses. Há tempo para explorar o espaço, arrumar a pouca bagagem, tomar um duche ou dar dois dedos de conversa. Muito tempo. São seis da tarde e, na floresta Bokeo, já é hora de jantar. O que fazer até à hora de dormir?

Jay regressa menos de uma hora depois. Pendurado na zipline, segura-se só com uma mão e, na outra, traz pequenos potes de metal, como se fossem tachos ou panelas, em miniatura. O menu do jantar é arroz e vegetais misturados com carne. Não é um manjar, mas ninguém reclama. É preciso repor energias.

Durante a refeição, o grupo começa a conhecer-se melhor. O árabe fala dos costumes da terra natal, a Arábia Saudita. Conta que gastou muito dinheiro no casamento da filha, que durou vários dias. Uma cerimónia onde – obviamente – homens e mulheres comemoraram sempre em separado. Mas, refere quase em jeito de desculpa perante a audiência de europeus, teve a preocupação de encher a sala das mulheres com flores. Apesar do aspecto mal cuidado, parece ter algumas posses financeiras. Viaja sozinho – ritual que repete quase todos os anos.  Perguntam-lhe se a esposa não se aborrece: “Está habituada”, responde com um sorriso. Foi um dia longo, com temperatura muito quente e esforço físico - argumentos insuficientes para convencê-lo a tomar um banho de água fria.

--%>