Fugas - Viagens

  • Rodrigo Santos
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Laos, a floresta canta mais alto do que a modernidade

Jay conversa alegremente, apesar da timidez, agora mal disfarçada. Vai explicando um pouco sobre a flora e dá, até, a provar algumas ervas e plantas que os habitantes locais costumam comer quando passam mais tempo na floresta. Observador dos usos e costumes diferentes do seu país de origem, pergunta aos portugueses – um rapaz e uma rapariga, que viajam juntos:

- Então, já têm filhos?

- Não, não somos um casal!

- Mas dormem juntos!

- Dormimos no mesmo espaço. É só dormir. Somos amigos!

- Nãaoooo! Isso não era possível aqui no Laos!

- A sério? Então e tu tens namorada?

- Bem… eu gostava. Estou a poupar dinheiro para ter uma namorada.

- A poupar dinheiro? Porquê?

- No Laos, os homens têm de pagar tudo às mulheres, mesmo antes do casamento: seja um jantar, uma festa, roupa nova… Tudo o que ela quiser!

- Mas as mulheres não pagam nada?! Elas trabalham, certo?

- Sim, trabalham e ganham dinheiro, mas, no Laos, não é aceitável que seja a mulher a pagar. A menos que seja a irmã mais velha a comprar um gelado ao irmão mais novo ou algo do género. Mas é raro.

- E existem outros tipos de casais no Laos? Casais com dois homens ou duas mulheres?

- Nãoooo…! (risos) Isso não existe!

- Claro que existe! Nunca viste?

- Não, aqui não existe! Mas queres dizer que, na Europa, existem todo o tipo de casais?!

- Sim, claro, na Europa e no mundo inteiro.

- E, na Europa, podes amar quem tu quiseres e ficar com essa pessoa?

- Claro! É assim que funciona.

E, com um sorriso doce e o olhar perdido nos pensamentos, Jay ficou a sonhar com uma Europa onde é permitido amar sem regras nem imposições.

Velocidade furiosa

A aventura na floresta tinha terminado. O grupo separou-se e seguiu rumos diferentes. O árabe, os dois portugueses, três australianos e uma francesa resolveram ir juntos para Luang Prabang, no Norte do país.

No Laos, não existe linha férrea e alguns aeroportos têm um funcionamento irregular. Para fazer a viagem entre Huay Xay e Luang Prabang, uma das hipóteses é ir de barco: speed boat ou slow boat. O speed boat é uma espécie de lancha, ruidosa, que atinge velocidades elevadas e pouco aconselhada aos turistas por causa das escassas condições de segurança. O slow boat é, como diz o nome, um barco lento que demora dois dias a fazer o trajecto – adequado a quem tem esse tempo disponível e vontade para desfrutar do passeio.

A terceira opção é ir de autocarro: uma viagem nocturna de cerca de oito horas. À partida, parece a alternativa mais viável e confortável, mas as recomendações sobre as estradas, no Laos, não são as melhores: sinuosas, com maus acabamentos e pouca iluminação. À primeira vista, o autocarro tem ótimo aspecto: novo, aparentemente seguro, confortável, com bancos que reclinam até à posição de uma cama. Durante a viagem, é difícil dormir. As oscilações são demasiado grandes, embora não se perceba porquê. A noite já vai longa quando se sente um movimento brusco, travagem a fundo… e um embate a grande velocidade! Dentro do autocarro, todos parecem estar bem, apesar do susto. Lá fora, um cenário dantesco. O autocarro tinha colidido com uma mota, onde viajavam três pessoas. Os corpos estavam espalhados pelo chão, inanimados, distantes uns dos outros, projectados pela velocidade. A população local sai à rua. Entreolham-se e encolhem os ombros com uma certa banalidade. Vienciana – a capital do Laos – tem a pior taxa de mortes na estrada per capita da Ásia e uma das piores do mundo. Não se ouvem sirenes nem há sinal de ambulâncias ou polícia. Os corpos são tapados com lençóis e, mais tarde, transportados para uma carrinha de caixa aberta. E o resto da vida segue com normalidade, como se nada tivesse acontecido.

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