No jornal El País, o escritor Miqui Otero, de Barcelona, citava outro escritor da cidade, Eduardo Mendoza (Prémio Cervantes 2017) dizendo que “na Rambla confluem raças de todo o mundo” e, ironizando, acrescentava que essa foi “a virtude que a tornou na escolhida para este atentado”. Não foi todo o mundo, mas foram 34 as nacionalidades atingidas no ataque de 17 de Agosto e os cartazes espelham o mundo: há-os em cirílico, hebraico, chinês, da República Dominicana, do Canadá, do Equador, dos Estados Unidos... Contudo, tal não afastou turistas, como Dominick e Nina, alemães de Heidelberg, acabados de chegar. Estão sentados em duas das cadeiras da Rambla, mesmo ao lado do primeiro quiosque atingido, com as malas aos pés e uma sanduíche na mão. Não pensaram em cancelar a viagem. “O que aconteceu aqui foi muito mau, mas a vida segue. Não podemos ter medo”, diz ele; “Não importa onde, já não estamos a salvo em lado nenhum. Ainda há pouco tempo aconteceu na Alemanha”, atira ela. Não vêm propriamente com planos — “já estivemos aqui tantas vezes” — mas vão andar sem restrições, garantem.
Cristian Zapatero chegou do Chile com a mesma determinação. Estava em Paris quando soube do ataque, já tinha bilhete e veio de qualquer forma. “De que serve ter medo? Assim não saíamos de casa.” O irónico é, conta, que quando foi, no ano passado, ao Irão, os amigos ficaram quase horrorizados, “pensavam que era muito perigoso”. “Quando disse que vinha à Europa todos me invejaram”, sorri. Como é a sua primeira vez aqui, tinha esperança de ver o mosaico de Miró, mas encontrou-o coberto pelo maior memorial da Rambla. Deteve-se aí um pouco e até acendeu uma vela, “um dos quiosques oferecia umas pequeninas”.
Nas últimas semanas, as grandes polémicas em Barcelona eram o excesso de turismo (a “turismofobia”), a gentrificação (questões cíclicas, que agora têm direito a bandas nos postes onde se lê “Your holidays, our everydays”) e a sempiterna independência. Agora, no entanto, lê-se em cartazes “Barcelona hugs you”, “Descanseu en pau, Barcelona sempre us recordará” – “you”, “us”, os turistas que foram as principais vítimas do ataque. E se de manhã nos parecia que o espanhol estava em maioria, à tarde já a Rambla se havia transformado na habitual torre de Babel e havia grupos guiados — os sinais erguidos pelos guias eram bem visíveis acima da multidão que aumentara consideravelmente. Entretanto, já tinham aberto os quiosques de comida e bebida e ninguém aparentava qualquer sinal de alarme enquanto bebia os sumos coloridos ou comia os gelados em cones ou copos.
Passam ambulâncias, poucos olham duas vezes. Só se voltarão mais cabeças quando passar uma minicomitiva de motas da polícia e uma carrinha celular, a subir em direcção à Praça da Catalunha ao início da tarde — chegam telefonemas de Portugal porque há notícias de evacuação da Rambla: não houve evacuação, foi um falso alarme por causa de uma mochila deixada no metro da entrada norte.
E Guillém Rovira, a fumar um cigarro diante do quiosque onde trabalha, recorda, ainda tenso, o que viveu na quinta-feira. Entrava às 17h e estava a chegar ao passeio diante do seu posto de trabalho, em frente ao hotel Le Méridien, quando toda a gente ia já a correr para as ruas laterais e bares. “Os meus colegas ficaram paralisados nos primeiros instantes. Havia pessoas, bolsas no chão”, rememora. Contudo, nota, “não houve um pânico muito exagerado, se fosse bomba teria sido muito pior”. “As pessoas estavam sobretudo impressionadas, chocadas.” Juntou-se aos colegas e tentaram arrumar tudo. “Vieram duas raparigas aqui para dentro, mas não era seguro.” Entretanto, “chegou a polícia que já anda por aqui normalmente e logo as ambulâncias e mais polícia”. Mandaram todos embora e eles buscaram refúgio na Praça de la Villa de Madrid. “Depois deixaram vir os que tinham aqui negócios mas soube-se do restaurante turco e expulsaram-nos de vez.” Não sente medo, “pode acontecer outras vezes”. “Aliás, já podia ter acontecido. Já havíamos pensado: ‘Porque não colocam uns pilaretes’?” “O meu sentimento é mais wow, de ver a gente a correr, no chão. Não dormi, não comi.” “Os turistas vivem melhor isto, a cada dez minutos renovam-se”, conclui.