Fugas - Viagens

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O dia em que jantámos na Panónia

Peter chegou aqui pela primeira vez como cliente, mas, recorda, apaixonou-se pelo lugar de “cabeça, estômago e coração”. Há três anos que trabalha em Taubenkobel e muito do seu tempo é passado a visitar produtores de vinho em redor, a descobrir os vinhos mais interessantes e a conhecer pessoalmente cada um deles para depois poder contar melhor essas histórias a quem se senta à mesa do restaurante.

“O que temos na lista é tudo de pessoas que conhecemos e, na maior parte dos casos, biológicos e biodinâmicos. Estamos convencidos que o vinho enquanto produto natural está muito ligado às emoções. Não somos fundamentalistas, mas achamos que quando se trabalha com a natureza, não faz sentido lançar-lhe químicos.”

E se com os vinhos se tenta falar desta região da Panónia e quebrar ideias feitas, com a comida de Alain procura-se o mesmo. À noite sentamo-nos finalmente a uma mesa do Taubenkobel. A primeira coisa que nos apresentam é um saco de papel com milho, comida de pombos, em homenagem ao nome (Taubenkobel é um abrigo para pássaros), depois, como amuse bouche, pele de galinha com creme de aipo, uma espinha com pequenos pedaços de peixe e um iogurte de cabra rosado por flor de lírio.

Seguem-se vários pratos nos quais Alain trabalhou produtos locais: kohlrabi (planta da família das couves) servida em parte crua e em parte cozinhada no forno e colocada sob lâminas de truta; uma homenagem aos cogumelos locais que só existem duas semanas por ano, e que surgem a envolver uma espécie de bolo com sementes de papoila; alcachofra com caviar; carpa selvagem do lago Neusiedl crua, sobre gelo; beringela com ovo de codorniz e trufa da Ístria.

Depois, uma interrupção para um momento importante da refeição: o excelente pão saído do forno de lenha, de crosta estaladiça, pronto a receber várias manteigas, charcutarias artesanais e ervas selvagens apanhadas nessa manhã. Por fim, também do forno a lenha, vem o pato que nos tinha sido apresentado à mesa, ainda cru, no início da refeição, e que é servido sobre feno e trinchado à nossa frente.

A primeira sobremesa parecia de influência nórdica: folhas de espinafres com amêndoas verdes e sour cream. Mas a seguir a ela apareceram, com todo o aparato, bolos de creme na boa tradição da pastelaria vienense, e que, apesar de a aparência indicar o contrário, eram surpreendentemente leves. A refeição foi acompanhada por uma harmonização com vinhos da região e dos países em redor e também (só para ficarmos a conhecer) uma harmonização com bebidas sem álcool muitas delas feitas na casa por Peter.

Vale a pena, aliás, voltarmos ainda à conversa com ele, para o final desta história. “Não queremos ter sempre a mesma estrutura de refeição, queremos criar uma tensão própria. Porque é que se tem que ir numa constante elevação? Podemos ter um prato cheio de sabor e depois outro mais subtil, quase silencioso. Como numa peça musical, podemos ter uma orquestra e depois cairmos no silêncio, de onde se ergue um solo de violino.”

Taubenkobel não é um daqueles restaurantes (ou hotéis) que ficam no caminho de passagem de turistas e visitantes. É preciso querer ir até ele. Diz Peter: “Não importa de que lado se vem, tem que se guiar pelo menos meia hora e com essa viagem deixam-se muitas coisas para trás e quando se chega, o lugar, com a sua magia, envolve-nos.” Quem aqui vem sabe o que procura – ou pelo menos está disponível para o que vai encontrar. Que é, de muitas formas subtis e poéticas, a história de uma região, a Panónia, que, nos momentos em que isso se torna necessário, pode ser também uma mensagem política.

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