Fugas - Viagens

  • DR
  • DR
  • DR
  • DR
  • DR
  • Hans-Peter SIFFERT
  • DR

Continuação: página 6 de 7

O dia em que jantámos na Panónia

Ao contrário de outros, não vem de uma família de produtores de vinho, mas fez a sua primeira vindima com vinte anos e não parou desde então. A certa altura, trabalhava em várias adegas diferentes, velhos celeiros ou estábulos adaptados, e pensou que precisava de concentrar tudo num espaço único. Assim nasceu esta adega de arquitectura moderna. “Aqui posso fazer tudo o que quero, correr riscos, experimentar. Até porque nenhuma vindima é como a anterior.”

Decidiu tornar-se biodinâmico “na busca pela qualidade e sustentabilidade dos vinhos” e porque “quando se começa a ler sobre estas coisas, no final é a única solução”. Além disso, “é um caminho muito espiritual mas também muito lógico” e que permite obter “fruta muito mais estável”. As uvas são sempre fermentadas com as películas, para garantir maior estabilidade e longevidade ao vinho (é isso que explica o tom mais alaranjado que alguns têm).

As ânforas de barro, com as quais também trabalha apesar de não serem tradicionais na região, servem o mesmo propósito: permitir que o vinho evolua, sem interferência da madeira e em contacto com o oxigénio permitido pela porosidade do barro.

O objectivo, tal como o de todos os outros produtores com quem falámos no Burgenland, é o de chegar a vinhos que traduzam da forma mais fiel possível a natureza de onde vêm. Para despedida provamos um dos seus vinhos, Kalkundkiesel e, para que o possamos entender, Claus dá-nos para as mãos as pedras que dominam nos terrenos de onde vêm as uvas: calcário e seixos. “A busca da identidade dos vinhos de Burgenland está nas mãos da minha geração, está tudo a acontecer agora”, diz.

Wenzel, o avô e os russos

Quando a povoação de Rust, no Burgenland, ficou sob ocupação russa, a seguir à II Guerra Mundial, o avô de Michael Wenzel pensou imediatamente que era preciso esconder o vinho. Os Wenzel são provavelmente a mais antiga família produtora de vinho da região – gostam de dizer que têm “vinhos feitos por mãos locais desde 1647” – e o avô queria proteger as melhores colheitas da primeira metade do século XX.

“Escavou as paredes de pedra da adega e enfiou aí os vinhos de 1902, 1921, 1934, que foi a colheita do século”, enumera Michael, mostrando-nos a parede esburacada. O esforço revelou-se inútil: os russos descobriram os vinhos e, claro, beberam-nos todos. O buraco na parede ficou, para contar a história.

A adega da família Wenzel (que, infelizmente, não está aberta a visitas públicas) cheira a humidade e guarda garrafas antigas, cobertas de pó, mas nenhuma delas é anterior a 1958, ano em que a produção de vinho recomeçou, depois da partida dos soviéticos. “O meu avô viveu o período mais difícil, passou por duas guerras mundiais, a grande depressão da década de 20. Mas tinha muita iniciativa e foi ele o primeiro a decidir engarrafar o vinho, que antes era vendido a granel.”

A queda da Cortina de Ferro foi, para ele, uma excelente notícia. Viu aí uma oportunidade para recuperar as antigas castas da região, como a Furmint, que continuam a plantar-se do lado húngaro mas tinham desaparecido completamente do lado austríaco. “Quando, em meados dos anos 80, com a política de Gorbatchov, se tornou mais fácil entrar na Hungria, o meu pai conseguiu fazer passar as primeiras videiras de Furmint pela fronteira. Levou com ele o meu avô, que já tinha 82 anos mas falava húngaro e distraiu os guardas, que acabaram por não revistar o carro.”

--%>