Fugas - Viagens

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O dia em que jantámos na Panónia

Por Alexandra Prado Coelho

Um restaurante, um hotel, um grupo de produtores de vinho que acreditam que este deve saber ao solo de onde vem, uma história política agitada, uma fronteira que parece querer fechar-se de novo. Taubenkobel é uma história de comida, de vinho e de política.

“Traz consigo o passaporte?”, pergunta Peter. Tínhamos partido há cerca de 15 minutos do Hotel Taubenkobel, nas margens do lago Neusiedl, na Áustria, e estávamos a aproximar-nos da fronteira com a Hungria. Vêem-se guardas a fiscalizar os carros que atravessam, mas nós temos sorte e passamos sem que nos mandem parar.

Peter Müller é sommelier no Taubenkobel e guia-nos neste passeio pela região, a província de Burgenland, na parte oriental da Áustria, com um objectivo: mostrar que as fronteiras e divisões criadas pelos homens não têm correspondente na natureza. De facto, é difícil perceber que mudámos de país. No lado húngaro a paisagem é em tudo semelhante à do lado austríaco – aliás, o próprio lago (património da UNESCO desde 2001) é partilhado entre os dois países.

“As uvas não conhecem fronteiras políticas”, está a dizer-nos Peter. E, nos dias em que ficamos em Taubenkobel, vamos percebendo que esta é uma forma de estar – uma ideia política, no fundo – que este charmoso hotel quer transmitir, nomeadamente através dos produtos que usa na cozinha e dos vinhos que serve.

“Não vivemos num mundo melhor, mas estamos felizes com a riqueza e o carácter distintivo da nossa região da Panónia”, lê-se no site do hotel. “Amamos as plantas que crescem aqui, os animais que vivem aqui, e que fazem parte da diversidade de culturas que constituem a Panónia e da soma de inúmeras influências.”

Numa região que mudou muitas vezes de mãos, que pertenceu ao Império Austro-Húngaro (1867-1918) e que se tornou parte da Áustria depois da I Guerra Mundial (foi a mais jovem província a integrar o país), há a tentativa de reivindicar uma identidade mais antiga, anterior a todas as guerras e disputas: a da Panónia, antiga província do Império Romano, que incluía parte das actuais Hungria, Áustria, Croácia, Sérvia, Eslovénia, Eslováquia e Bósnia-Herzegovina.

“A região definiu-se pela geografia e não pela política – essa veio com as pessoas”, continua Peter, enquanto guia. “Quando existia a Cortina de Ferro, não passávamos por aqui com a facilidade com que acabámos de passar.” Mesmo assim, nos últimos anos, com o medo dos refugiados e a tendência dos países para voltarem a fechar fronteiras, a situação tem-se tornado mais preocupante.

“O que o restaurante tenta comunicar é esta ideia de uma região que é um todo, independentemente da opinião de quem está no poder.” Peter reconhece que este é ainda um tema difícil, mas explica que Taubenkobel tem vindo a dar maior visibilidade a esta sua filosofia precisamente “como resultado da actual situação política”.

Interrompemos aqui a lição de história, já voltaremos à conversa com Peter, mas antes vamos entrar pela discreta porta de Taubenkobel e descobrir que mundo é este que aqui se esconde. Somos recebidos por Bárbara Eselböck, cujas gargalhadas felizes e vestidos floridos nos irão acompanhar durante toda a estadia, e pelo marido, Alain Weissgerber, de origem alsaciana, que é também o responsável pela cozinha deste hotel integrado na rede Relais & Chatêau.

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