Fugas - viagens

  • Uma dança entre um camião, uma Ranger e um dromedário
    Uma dança entre um camião, uma Ranger e um dromedário DR
  • Entre o Cartaxo e Dacar, percorreram-se mais de 5000km. Jaime Gonçalves/PDC
    Entre o Cartaxo e Dacar, percorreram-se mais de 5000km. Jaime Gonçalves/PDC
  • Primeiro trilho, de Beja a Portimão
    Primeiro trilho, de Beja a Portimão DR
  • Na praça Djemaa el Fna, centenas reúnem-se à volta de minibarraquinhas para o jantar
    Na praça Djemaa el Fna, centenas reúnem-se à volta de minibarraquinhas para o jantar © PDC - Jaime Gonçalves
  • A noite traz uma explosão de vida à praça de Marraquexe
    A noite traz uma explosão de vida à praça de Marraquexe © PDC - Jaime Gonçalves
  • Marrocos pelo asfalto
    Marrocos pelo asfalto DR
  • O início do deserto, aqui salpicado por tufos
    O início do deserto, aqui salpicado por tufos DR
  • Lac Chbabiyne, a caminho do primeiro acampamento no Sara
    Lac Chbabiyne, a caminho do primeiro acampamento no Sara DR
  • Nascer do dia no Sara
    Nascer do dia no Sara DR
  • Deixar a natureza como se encontrou (ou melhor) está entre as regras do todo-o-terreno
    Deixar a natureza como se encontrou (ou melhor) está entre as regras do todo-o-terreno DR
  • Um Land Cruiser aproveita para brincar no piso de cascalho
    Um Land Cruiser aproveita para brincar no piso de cascalho DR
  • Cruzamentos no meio do nada
    Cruzamentos no meio do nada DR
  • A cerca de 200km de Dakhla, uma paragem para abastecer
    A cerca de 200km de Dakhla, uma paragem para abastecer DR
  • Dakhla à vista após mais de 700km de deserto
    Dakhla à vista após mais de 700km de deserto DR
  • Duna Branca, próximo de Dakhla
    Duna Branca, próximo de Dakhla © PDC - Jaime Gonçalves
  • Junto a Daklha, onde o deserto e o mar se encontram
    Junto a Daklha, onde o deserto e o mar se encontram DR
  • No Sara Ocidental, uma bomba tinha gasolina sem chumbo... em jerricans
    No Sara Ocidental, uma bomba tinha gasolina sem chumbo... em jerricans DR
  • Um touareg caminha serenamente pela Terra de Ninguém, entre Marrocos e a Mauritânia
    Um touareg caminha serenamente pela Terra de Ninguém, entre Marrocos e a Mauritânia DR
  • À entrada da Mauritânia: «Existem ao longo da nossa fronteira Norte áreas minadas; algumas estão marcadas pelos sinais:»
    À entrada da Mauritânia: «Existem ao longo da nossa fronteira Norte áreas minadas; algumas estão marcadas pelos sinais:» DR
  • Ao longo do Banc d'Arguin, as embarcações de pesca fazem parte da paisagem
    Ao longo do Banc d'Arguin, as embarcações de pesca fazem parte da paisagem DR
  • Um professor numa aldeia da Mauritânia recolhe o material escolar levado pela caravana lusa
    Um professor numa aldeia da Mauritânia recolhe o material escolar levado pela caravana lusa DR
  • Ao longo da tarde, as mulheres de Teichott foram amanhando o peixe que grelharia para o nosso jantar
    Ao longo da tarde, as mulheres de Teichott foram amanhando o peixe que grelharia para o nosso jantar © PDC - Jaime Gonçalves
  • Em Teichott, os aldeões brindaram a visita com uma dança tradicional
    Em Teichott, os aldeões brindaram a visita com uma dança tradicional © PDC - Jaime Gonçalves
  • Aldeia de Teichott, Mauritânia
    Aldeia de Teichott, Mauritânia DR
  • O Banc d'Arguin é atravessado sempre sob escolta militar
    O Banc d'Arguin é atravessado sempre sob escolta militar DR
  • A caravana atravessou a maior parte do percurso no Banc d'Arguin compacta
    A caravana atravessou a maior parte do percurso no Banc d'Arguin compacta DR
  • Transportes colectivos em Nouakchott, Mauritânia
    Transportes colectivos em Nouakchott, Mauritânia DR
  • Parque Nacional de Diawling, a caminho da fronteira com o Senegal
    Parque Nacional de Diawling, a caminho da fronteira com o Senegal DR
  • Parque Nacional de Diawling, a caminho da fronteira com o Senegal
    Parque Nacional de Diawling, a caminho da fronteira com o Senegal DR
  • A viagem também foi sendo feita de atascanços e alguns sustos
    A viagem também foi sendo feita de atascanços e alguns sustos DR
  • Um participante despede-se do guia mauritano antes da travessia para o Senegal
    Um participante despede-se do guia mauritano antes da travessia para o Senegal DR
  • Porto de pesca de St. Louis, Senegal
    Porto de pesca de St. Louis, Senegal © PDC - Jaime Gonçalves
  • A dupla de mecânicos acabaria por também dar assistência a um agente senegalês
    A dupla de mecânicos acabaria por também dar assistência a um agente senegalês DR
  • Entre St. Louis e Lac Rose, Senegal
    Entre St. Louis e Lac Rose, Senegal DR
  • Nascer do sol em Lac Rose, Senegal
    Nascer do sol em Lac Rose, Senegal DR
  • Fim de linha: hotel em Dacar, Senegal
    Fim de linha: hotel em Dacar, Senegal DR

De Portugal a Dacar à reconquista da lenda

Por Carla B. Ribeiro

Durante duas semanas acompanhámos uma caravana lusitana de todo-o-terreno rumo à concretização de um sonho: voltar a ligar Portugal e Dacar, por estradas e caminhos, atravessando montanhas e desertos, ultrapassando obstáculos, esventrando um território tão inóspito quanto viciante. Aventura por Portugal, Marrocos e Mauritânia, rumo ao Senegal.

Enquanto se ouvem os roncos dos motores vindos das dunas, num cantinho do acampamento onde passamos a noite grelham-se peixes para o jantar. Respeitáveis douradas e pequenos atuns apanhados nessa manhã no mar, que nos acompanha por estes dias, e cujos corpos escamados as mulheres amanhavam quando chegou a caravana que se propôs, em 15 dias e em todo-o-terreno, ligar Portugal a Dacar, numa simulação aventureira da prova que ficou por cumprir em 2008.

A noite já começou a cair e com ela o fresco que nos impele a ficar por perto das brasas enterradas na areia e sobre as quais a grelha de protecção de um esquecido frigorífico recebe os peixes que homens e mulheres, de garfo em punho, vão virando à vez. O ritual junta vários aldeões que parecem esquecer-se que ali estamos.

Mulheres sentadas vão acolhendo as crianças pequenas que procuram o calor dos seus colos. Dois homens, carinhosamente abraçados, riem-se do esforço de quem está de serviço à grelha: uma mulher de cigarro ao canto da boca e um homem com uma pequena lanterna para verificar o estado de cozedura do jantar vão discutindo, provocando risadas entre os que os observam. Quer-nos parecer que tentam concluir qual dos dois terá mais jeito para a tarefa, mas nada entendemos do que dizem.

Uma pequenita aproxima-se em busca do calor e vai-se encostando, qual gato mimoso. Não revela carência, mas curiosidade por estes seres de tez pálida e cabelo escorrido que chegaram montados em bichos barulhentos e que levaram a que as casas da aldeia - estruturas improvisadas em madeira, lata, plástico, pano - ficassem despidas de colchões e almofadas, que trouxeram para nosso conforto. Já à tarde se tinha juntado à nossa beira para partilhar bolachas. "Primeiro para os bebés", esclarecem-nos. Só depois para os petizes mais velhos, entre os quais alguns desdentados, denunciando a idade.

Os peixes vão entrando e saindo da grelha e os nossos anfitriões de vez em quando lembram-se que ali estamos e sorriem-nos. O tempo passado à beira das brasas presenteia-nos com as grandes e reluzentes ovas que o homem, que cuidadosamente as sacou às entranhas de um dos peixes, partilha connosco ao mesmo tempo que vai amontoando o pescado numa larga bacia de metal que mantém próxima do lume com o objectivo de conservar o jantar quente.

Estamos em Teishott, Mauritânia, aldeia piscatória do Banc d'Arguin, uma área protegida que atravessamos, o mais junto ao mar possível, por vezes até ao sabor das ondas e respeitando as vontades (e horas) das marés, com uma autorização especial e escoltados por duas colunas militares que nos mantêm em segurança mas também debaixo de olho.

Consegue-se imaginar que a aldeia, onde a única luz artificial é providenciada por um gerador, adormece cedo. Mas hoje o relógio biológico é adiado e, mesmo com o escuro por companhia, há músicas e dançares enquanto se criam laços de amizade à volta de uma roda composta sobretudo por mulheres e crianças. Também há homens, mas não metem conversa. Já elas dizem os seus nomes para, logo a seguir, nos perguntarem pelos nossos. Os ‘l's são difíceis de enrolar e os "r"s de pronunciar, o que faz com que alegremente nos rebaptizem. As risadas são inevitáveis e depressa comunicamos por uma linguagem mais universal: a da dança. Ritmos compassados que nos vão pacientemente ensinando até chegar a hora das birras de sono dos mais pequenos, que ditam a hora da festa terminar.

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