Barrancos
O presunto é de ouro
É um naco dourado, o que vemos na caixa de madeira, onde é apresentado envolvido em papel prateado; é um presunto de Barrancos DOP Vintage 60 Meses. São estes meses que lhe dão cor, que é gordura, "boa", sublinha António Baena, o director-geral da Barrancarnes, que apresentou esta iguaria no VII Congresso Mundial do Presunto, este ano. É uma edição limitada e numerada - este é o 39; foram feitos apenas 150: "De 44 mil presuntos de bolota, escolhemos 150" -, que assinala os 25 anos da fundação da empresa. É, claro, um presunto "muito exclusivo", a "escolha muito especial de um ano muito especial". "Acho que não temos vintage todos os anos", afirma António Baena, "este é o primeiro e não sei quando teremos os próximos". As condições têm de ser ideais para atingir a "qualidade máxima", uma mistura de "raça pura, elementos DOP, muita bolota". Cada um destes vintage custa 1000 euros; vendem-se apenas no Club del Gourmet do El Corte Inglés.
Desde 1995, o presunto de Barrancos é um produto DOP e para ganhar a Cruz de Avis, que, marcada a fogo, simboliza a denominação de origem, as regras são estritas - mas é na tradição que assenta. E a tradição vem de tempos romanos. Estamos em território do porco de Raça Alentejano, sus mediterraneus (javali do sul), e a produção de presuntos e outros enchidos é um uso e costume familiar aqui na zona mais interior (e isolada) de Portugal, situada na ponta ocidental da serra Morena, em pleno microclima que favorece a cura lenta e natural, alheia a fumeiros (mais ao estilo espanhol, portanto, uma influência clara na zona: desde o "barranquenho" aos touros de morte...). É por isso que na Casa do Porco Preto (Barrancarnes) todos os porcos, criados em montados um pouco por todo o Alentejo e até Ribatejo, acabam nas unidades de produção de Barrancos para se transformarem em presuntos e enchidos.
Não fizemos uma espécie de "safari do presunto" completo, mas à boleia da Casa do Porco Preto (38.131169,-6.975430) percorremos os diversos níveis de transformação do presunto e visitámos uma herdade onde os porcos alentejanos são recriados antes de serem enviados para a montanheira (de Outubro a Março). Se aqui até passam fome (para valorizar a estrutura, os músculos, sem ganhar gordura), lá a fartura vai ser a palavra de ordem - uma das características da criação é terem um espaço de dois a três hectares de montado de azinheira e sobreiro por animal (no porco branco podem ser cinco mil num hectare). A ideia é comerem um quilo de bolota por dia...
Depois da montanheira e do matadouro, os animais chegam a Barrancos já cortados. A carne entra logo na câmara de salga - sala refrigerada e húmida (98%), coberta de nevoeiro, onde passa até dez dias. Saída daqui, é pendurada e lavada, colocado numa via mecânica (antes as peças eram movidas a braços - a única diferença para o processo tradicional, que é reproduzido numa sala à parte) e transportada para uma câmara pós-salga, de cura. Espreitamos algumas: centenas de peças de presunto estão penduradas em cruzetas em salas que são como secadores artificiais - quando entram, o sal está à superfície; aqui, libertam a humidade e o sal entranha-se. O processo daqui para a frente reproduz o clima da montanha: passam por calor e frio, humidade e seca ("o sabor intensifica-se"), deixam-se entranhar com bolor ("é necessário para curar bem") e maturam em caves - um percurso algo idêntico ao do vinho, sublinha António Baena. "O presunto bolota fica connosco no mínimo três anos, o DOP à volta de oito anos."