Isso sim, preocupou-me afirmar que isto não é uma actividade menos nobre que os outros tipos de crítica. Era fácil assacar este aspecto de coisa menor, galhofeira, comes e bebes, coparia, petiscada. Quis tentar começar a dar outra dimensão das coisas. Vamos lá tentar fazer com que isto passe a ser uma área respeitada, através destas relações com a história, a literatura, a geografia, etc., para que não possa haver esse ataque soez.
Entre o tradicional e o novo como é que um crítico se deve posicionar: como um guardião da maneira tradicional de fazer ou um divulgador das formas novas?
É preciso ver quando é que eu apareci: em 76 isto era uma desgraça. Não era praticada a verdadeira cozinha portuguesa, mas uma cozinha estrangeirada, afrancesada. Depois da independência das colónias há uma crise de identidade nacional: afinal quem somos, de onde vimos? Nesta pequenina área pensei que tínhamos que dar uma volta no sentido de trazer outra vez as coisas que fazem parte da cozinha portuguesa.
O meu labor vai muito para aí, procurando falar dos pratos tradicionais, já registados em livro. Em 1982 há uma ajuda muito grande com a publicação do livro da Maria de Lourdes Modesto, Cozinha Tradicional Portuguesa. A partir daí tornou-se mais fácil. Depois dos anos 80 começa a haver uma mudança de mentalidade. As regiões de turismo, as autarquias, começam a interessar-se e gera-se um movimento de ir às raízes. Mas ainda demora até os restaurantes seguirem isso.
Nesses anos impus-me esse trabalho e terei sido até desconfiado em relação a algumas inovações que começaram a aparecer. Eram mais brincalhotices, coisas com poucas bases. É só em 91, 92 que aparece a geração do aggiornamento, que vem dar uma volta benéfica na cozinha portuguesa, tentando novas apresentações, que foi sempre uma coisa muito fraca na nossa cozinha.
Essa geração que que falo é importantíssima porque não renega as suas raízes: refiro-me ao Vítor Sobral, Fausto Airoldi, Joaquim Figueiredo, que foi para França, Miguel Castro e Silva, no Porto, e passados cinco ou seis anos o Luís Baena, que me deslumbrou, com uma refeição o mais fantasista possível mas em relação à qual achei que tudo tinha motivo e sabia bem.
Deixei de ser tão feroz combatente pela cozinha tradicional portuguesa a partir dos anos 90 porque achei que já tinha havido uma mudança de mentalidade.
É diferente para um crítico avaliar uma receita tradicional, em que há uma matriz, e falar de uma coisa que é uma inovação?
Há coisas que basta a leitura do nome para se perceber que são insusceptíveis de poderem ser boas. Mesmo sem ir para exageros que às vezes são apenas a procura do insólito como aqueles rapazes do Nordic Food Lab que falavam em glândulas de castor ou gin com formigas. Estão à procura de quê? Só através do insólito. Tenho pena mas também acho que a cozinha peruana é limitada. Têm o ceviche, que o México também reivindica. Têm uma espécie de leitão assado, e um cocktail que é o Pisco Sour. Têm mais alguma coisa de próprio que não seja comum à América Latina? Não conheço. Mas o que aconteceu é que puseram uma grande fatia do orçamento para nos impor a cozinha deles.