Fugas - restaurantes e bares

  • José Quitério
    José Quitério Rui Gaudêncio
  • A
    A "obra definitiva" DR

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Um crítico de gastronomia “aberto às inovações” mas atento às “golpaças”

O Peru tem produtos, muitos dos quais não estão sequer explorados.
Sim, mas a meta agora é sempre ser conhecido mundialmente? Para isso é preciso que o destinatário seja crédulo e vá atrás de todas as técnicas do marketing. O Peru tem centenas de variedades de batata, mas a nós isso não nos diz muito. Não acho que isso enriqueça muito a paleta mundial de sabores.

Até que ponto, hoje, num mundo mais global, a nossa cozinha pode ou não continuar a integrar novas coisas?
Acho que pode e em certos sectores é até benéfico. Em relação ao mundo vegetal, éramos muito limitados. Lembro-me de em minha casa, média-burguesia de província, metade do ano comia-se feijão-verde, a outra metade grelos. Só para aí aos 25 anos é que comi bróculos. Aipo não havia e dá coisas excelentes. E há produtos chineses, gosto imenso do pak choi.

Em termos de peixes nós é que damos cartas. Os peixes de águas mais quentes por definição não têm interesse, tal como o marisco. Carnes, tivemos as piores da Europa mas depois surgiram aqueles nichos que se começaram a impor, a mirandesa, a maronesa, a arouquesa. Mas comparado com a carne francesa, argentina, até com a inglesa, não somos o supra-sumo.

Em relação a frutos, temos cá o que é preciso. Nunca achei que aprendêssemos com a physalis ou o kumquat. Tem interesse decorativo. Queijo também não, obrigado. Em relação às técnicas, cada um diz de sua justiça. Mas nunca achei que um assado português beneficiasse com aquelas técnicas de ser cozinhado muitas horas em vácuo.

A única coisa que peço é que respeitem o tradicional. Há por aí uns pastéis de bacalhau com queijo da Serra. Querem fazer a experiência, façam, mas não lhes chamem pastéis de bacalhau.

Há sempre o afã de descobrir coisas novas. Em relação aos cozinheiros também nunca ninguém está satisfeito. Há uma necessidade de estar sempre a criar novas misses. O marketing obriga a isso, a haver sempre mais estrelas. É o universo pop. Mas não é necessária essa voracidade. Temos que ter bom senso.

Portugal também tem essa preocupação de afirmação da sua cozinha perante o mundo. Qual é a melhor forma de o conseguirmos?
Eu acho – e vão dizer que vivo noutro mundo – que não é necessário. Nós somos considerados, pelo menos por quem vive mais perto de nós, um país onde se come bem. A média dos restaurantes é boa. E não é só o peixe. Esse reconhecimento existe. Mas querer que isso seja traduzido em restaurantes com altíssimas classificações nesses guias…

Em relação ao Guia Michelin, tenho um conflito desde sempre, pela falta de critério deles. Dizem que tomam em consideração as cozinhas de cada país que classificam, mas nunca tomaram no caso da nossa. Os cozinheiros que eles estrelam são na esmagadora maioria estrangeiros, trataram sempre com um desprezo extraordinário os bons restaurantes portugueses. 

Por outro lado, eu, que tenho uma admiração extraordinária pelo José Avillez, achei demasiado rápida a estrela dele no Belcanto. Passado uns meses já tinha uma estrela. Antigamente não era assim. Mas é o cozinheiro actual que mais admiro.

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