Porquê?
É um tipo cheio de talento, um grande trabalhador, é honesto, é conhecedor, inovador mas não descura as raízes. Tem pratos fantásticos, eu tinha ido ao Tavares quando ele tinha a estrela – o Tavares dói-me, o restaurante mais bonito da cidade e todas as vicissitudes por que tem passado – lembro-me de um pombo belíssimo, no Belcanto o que me ficou mais foram os pratos de peixe. Tudo o que ele faz tem lógica em termos culinários, não é um acumulador. Há para aí muitos que são acumuladores de ingredientes.
Como é que se consegue explicar num texto essa ideia de que um prato tem uma lógica e é inteligente.
Isso reflecte-se em sabores. A cozinha é, entre outras coisas, a arte do equilíbrio. Este pode ser feito à custa de muitas coisas opostas, pode haver as notas mais variadas em termos de escalas e tons mas no fundo há uma harmonia. Isto não tem nada a ver com ter mais ou menos fantasia.
O tipo mais fantasista que encontrei foi o Luís Baena, mas tudo tinha um sentido. No restaurante que tinha em Santos [o Manifesto], imagine o que é estarmos a comer em cima de discos vinil. Havia umas manteigas que vinham para a mesa em mini-skates, uma bola de Berlim recheada de sapateira, um algodão doce especial, mas tudo fazia sentido. Ele dizia que queria fazer uma cozinha pop, mas era tudo engraçado e muito bom. Agora há uns que a gente diz ‘este tipo é moderno em quê?’.
Escreve num dos textos do livro que a nossa força é a cozinha regional.
Nós não temos uma cozinha nacional. Temos um prato de alta cozinha que são as Perdizes à Convento de Alcântara. Os ricos em Portugal sempre foram poucos. A nossa cozinha popular é que criou coisas anónimas interessantes. As cozinhas regionais são de uma variedade extraordinária para o ridículo da nossa superfície. Soubemos em cada região usar os elementos que havia, não muito ricos, e criar pratos com personalidade.
Temos a tal matriz ibérica mas uma personalidade própria?
Sim, claro. Um dos pontos de afirmação extraordinário é a doçaria. Espanha teve mais conventos femininos porque é muito maior e lá a doçaria conventual feminina não tem a riqueza da nossa.
Escreve também que em comparação com a cozinha salgada a nossa doçaria tem um nível de sofisticação que a distingue.
É uma variação sobre duas notas: açúcar e gemas de ovos. Para conseguir fazer coisas diferentes com isto é preciso um virtuosismo. Está tudo na nossa grande arte que é o ponto de açúcar. Tudo isso cria, como gostam de dizer agora, texturas diferentes e sabores diferentes.
Refere, por exemplo, a arte que existe na simplicidade nas açordas, mas não a aplica às pizzas. Porque é que as acha desinteressantes?
Primeiro, aquela massa não me diz nada. Depois põem-se lá umas coisinhas, uns elementos que não têm grande sabor. É uma coisa que enche mas não preenche os mínimos de sabor para merecer a atenção que tem. Gente adulta continuar a gostar de pizzas é uma coisa que não percebo. Outra coisa que está agora na maior: o hambúrguer. E há uma coisa antitética: o hambúrguer gourmet. Isto intelectualmente é impossível.