Muitas tascas de ambiente familiar e cozinha caseira têm vindo a desaparecer. Mas é ainda fácil, quer em Lisboa e arredores quer no Porto, encontrar lugares que mantêm o espírito intacto. Algumas são herdeiras das antigas carvoarias, em muitos casos propriedade dos galegos que procuravam em Portugal uma vida melhor, e com o tempo transformaram-se em casas de pasto, servindo uns copos de vinho e uns petiscos aos homens que vinham comprar carvão.
Hoje quase todas funcionam como restaurantes, com serviço de almoços e jantares, e os clássicos pratos do dia. Mas, em muitas delas, ainda é possível ir só tomar um copo ao balcão, comer um rissol e dar dois dedos de conversa com o patrão que, entre uma limpeza de balcão e outra, arranja uns minutos para dar atenção aos clientes habituais. Estão cheias de vizinhos (o que é um bom sinal, como se sabe) e às vezes é preciso esperar para conseguir lugar. Mas, para quem procura uma comida de conforto, feita por quem sabe, continuam a ser um refúgio seguro.
Nota: As primeiras oito tascas de Lisboa foram sugeridas por Tiago Pais, autor do livro
As 50 Melhores Tascas de Lisboa
Lisboa
Zé dos Cornos
Chegamos ao Zé dos Cornos às dez da manhã e já está instalada a azáfama, com João atrás do balcão a arrumar os queijos de Alpedrinha (Fundão) e a preparar a perna de presunto. O prato do dia é pernil e também já está pronto na cozinha. E, na parede, estão os cornos de boi que levaram os fregueses a rebaptizar a tasca quando José Ferreira, pai de João, os trouxe para aqui.
A casa está na família de João, originária de Ponte de Lima, no Minho, há muitos anos. No tempo do seu avô era carvoaria, como muitas que havia em Lisboa, a vender carvão, lenha, petróleo, serradura. Depois tornou-se tasca, a servir copos de vinho e tabaco. “Ao princípio, com o meu pai, tinha mesas de mármore e vendia vinho, queijinho, peixe frito. O pessoal vinha aí com a lancheira e ele aquecia”, conta João, que leva já meio século de casa.
Tiago Pais, que costumava vir aqui almoçar às terças-feiras, dia de entrecosto, elogia sobretudo o arroz de feijão que o acompanha, e, em geral, todos os grelhados. Para além da simpatia do João, claro. Talvez por isso esta foi a única casa que resistiu numa rua onde existiam outras oito ou nove. A clientela antiga ainda vem, mas agora está cheia de “cámones” e estes “querem é peixe”, diz João. Mas, para os apreciadores, não falta a lampreia no tempo dela e a cabidela, se for encomendada. ALexandra Prado Coelho.
Zé dos Cornos
Beco dos Surradores nº 3 (Mouraria)
De 2ª a sábado das 8h às 22h
Telf: 218 869 641
A Provinciana
O estabelecimento virá já dos anos 30, pertenceu a uns galegos, mas o sr. Américo, que antes trabalhava numa das casas de ginginha do Rossio, tomou conta dele em 1988 – sabe bem a data, foi no ano do incêndio do Chiado, um bairro histórico no centro de Lisboa. As paredes estão cheias de relógios e só isso valeria a visita. São o hobby do sr. Américo, que aos domingos, dia de folga, se entretém a montar sistemas de relojoaria em tampas de barris, fundos de pratos, azulejos ou qualquer outro suporte. “Sabe-me dizer quantos são?”, desafia-nos. Gosta de adivinhas e ficamos ali, em conversa de balcão, enquanto vão aparecendo clientes para beber um copito.
Na cozinha está a D. Judite, mulher do sr. Américo, a preparar as especialidades da casa, que vão do bacalhau à minhota às segundas-feiras, à caldeirada de bacalhau aos sábados, passando pela chanfana, feijoada, dobrada ou cozido. Tiago, que veio pela primeira vez a conselho de um amigo, nota que na rua há umas quatro tascas boas, “mas esta é que enche sempre”. Mais uma vez, a simpatia da família explica (quase tudo). Sim, porque o cozido das quintas-feiras também explica muita coisa. A.P.C.