Fugas - Viagens

Antony Njuguna/Reuters

De Nairobi a Ngorongoro num camião chamado Cristina

Por Aníbal Rodrigues

É uma viagem deslumbrante para os amantes de vida selvagem, que atravessa os santuários mundialmente famosos do Quénia e Tanzânia. E, como se isso não bastasse, ainda conserva algum do sabor das épocas em que os exploradores europeus desbravavam o continente africano. A Fugas participou nesta aventura inesquecível

O camião parou, com o motor desligado. Ao fundo da estrada, à direita, está uma chita com a cabeça disfarçada pelo capim. Em cima da carroçaria do veículo, os passageiros silenciosos tentam captar imagens do felino ou observá-lo com binóculos. Carmen, a guia espanhola, sussurra, entre o ruído de fundo das cigarras, que o "guepardo" é o mais veloz dos animais terrestres, capaz de atingir entre 115 e 120 km/h de velocidade máxima.

A uns 50 metros da chita está um grupo de gazelas. A emoção aumenta e o predador não defrauda ninguém. Lança um arranque, não muito impressionante, diga-se, mas logo seguido de uma velocidade prodigiosa. Porém, de pouco lhe valeu tamanha celeridade porque as gazelas foram ainda mais lestas.

Um felino a caçar ao vivo, um privilégio que até a experiente Carmen tinha observado muito raramente. Após a tentativa frustrada, a chita passa junto à traseira do camião, como se desfilasse, esguia e elegante, para se juntar às suas três crias.

Estamos no Quénia, na Reserva Nacional Masai Mara. O nosso camião, um Scania de matrícula tanzaniana, baptizado Cristina, permite uma visão de 360º. Tem dois bancos corridos e, por baixo destes e do piso da carroçaria, há arrumos para as bagagens. À frente, sobre a cabine, tem uma área de repouso com um grande tecto de abrir por cima. Aqui, sob o tabuado, há uma arca congeladora com comida e gelo e, noutro compartimento, duas caixas de medicamentos variados e listas simplificadas com indicações e posologias.

A tripulação é constituída por três homens: condutor, cozinheiro e ajudante. Cristina só tem tracção traseira, o que em África é bem capaz de causar alguns problemas. mas já lá iremos. Carmen tem um colega, Óscar, também espanhol e, para além desta dupla, há mais doze passageiros portugueses nesta viagem de oito dias pelo Quénia e a vizinha Tanzânia.

Após um primeiro voo Lisboa-Amesterdão, o aparelho da KLM demorou cerca de oito horas entre a capital holandesa e Nairobi. Dormimos no Hotel Méridien que, apesar de modesto para os padrões europeus, tinha um "luxo", como iríamos perceber (e sentir) nos dias seguintes: água quente.

Vale do Rift e visita aos masai

Aquela manhã de Junho na capital do Quénia começou fria e chuvosa. O despertar foi às 5h30 (3h30 em Portugal), tal como nos restantes dias da viagem. Vê-se o vapor da respiração como num típico dia de Inverno europeu. Nas ruas, as pessoas vão para o emprego com agasalhos de cores escuras e o trânsito é caótico. O vermelho dos semáforos é apenas decorativo porque não impede ninguém de circular.

A estrada sobe e, à esquerda, começamos a ver os telhados de zinco do gigantesco bairro de lata de Kybera. Calcula-se que vivam aqui cerca de um milhão de pessoas. Não se sabe ao certo. A existência de Kybera não é reconhecida oficialmente pelo Governo queniano porque isso implicaria construir as infra-estruturas básicas que ali não existem.

As roupas das pessoas são velhas e sujas, a sensação de pobreza é uma constante, mas não há sinais de fome como em algumas imagens da Etiópia ou da Somália. E neste, como em vários outros aspectos, Quénia e Tanzânia são bastante parecidos.

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