Fugas - Viagens

Antony Njuguna/Reuters

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De Nairobi a Ngorongoro num camião chamado Cristina

Chegamos ao ponto mais alto da nossa viagem, 2600 metros em relação ao nível das águas do mar. Paramos para tomar o pequeno-almoço junto ao camião e a uma loja de artesanato. Convém avisar que sempre que descemos do veículo verde aparece alguém a vender algo, nomeadamente pulseiras, colares, mantas masai, animais esculpidos em madeira ou pedra e até lanças.

Aceitam os xelins locais, euros ou dólares. O melhor é regatear descaradamente e oferecer mais ou menos um terço do valor pedido pode ser um bom ponto de partida negocial. Outra regra diz que, a partir do momento em que o vendedor aceita a nossa proposta, então há que fechar negócio. Vêem-nos como caixas Multibanco e são bastante persistentes. Mesmo quando dizemos que não temos dinheiro, não hesitam em propor a troca das suas mercadorias pelos nossos relógios, peças de roupa ou calçado. Numa ocasião, mais tarde, foram bem-sucedidos. Zé Rui entregou as suas velhas sapatilhas de BTT e recebeu uma pintura.

Do ponto onde estamos observamos a imensidão verde do vale do Rift, de origem vulcânica. Prevê-se que, daqui a milhões de anos, este vale marque o ponto de separação de uma porção de terra que se irá desagregar do continente africano. No céu, o sol tenta furar entre as nuvens. Os locais chamam-lhe os dedos de Deus.

O camião dirige-se para o nosso primeiro acampamento. Fica nas proximidades da Reserva Nacional Masai Mara, mas ainda no exterior. Mostram-nos como montar as tendas, processo que exige espírito de entreajuda, algum esforço físico e, por vezes, alguns trilhar de dedos. Para além disto, os participantes nesta viagem lavam a louça, ajudam a carregar e a descarregar os apetrechos do camião e as bagagens. É uma boa forma de despertar os músculos de quem, por exemplo, passa muitas horas ao computador.

Encostados a Cristina há três alguidares para lavar a louça. Um com detergente e esfregão, o segundo para um primeiro enxaguamento e o terceiro para o enxaguamento final. Só que estamos em África e alguns insectos - volumosos, por sinal -, caem na água. Coisa para incomodar um espírito mais habituado ao dia-a-dia em Portugal, mas que acabamos por aceitar num ambiente africano.

Ao início da tarde fomos visitar uma aldeia Masai e começamos a ver gnus, impalas e gazelas. Jackson, o nosso afável guia, fluente em inglês, mostra-nos vestígios da presença recente de elefantes e excrementos de cor esbranquiçada. Explica que são de hiena e que a cor se deve ao facto de estas comerem ossos. Mais à frente chama a atenção para uma planta de folhas aveludadas, verde-claro. Conta, sorridente, que os Masai usam estas folhas de aroma suave como desodorizante e "papel" higiénico.

Jackson tem 25 anos, a sua mãe 40 e o pai 54. Talvez por estar a guiar um grupo português, afirma que gostaria de um dia conhecer a Alemanha e Portugal. Ressalva que não como emigrante, apenas como turista. Também aprecia Cristiano Ronaldo e apoia os clubes onde joga o craque português. As suas roupas, aos quadrados e em tons vivos de vermelho, são uma prova da histórica presença dos escoceses por aquelas paragens. Sendo membro de um povo guerreiro, ainda usa espada e lança, mas diz-me que os Masai já não têm de matar um leão como prova de entrada na vida adulta.

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