Sentados na caixa aberta da nossa pick-up (e havemos de passar o tempo entre várias, que é um dos transportes a que estes caminhos obrigam), vagueamos pela ilha, pisamos o deserto, acenamos a palmeiras perdidas, cruzamos oásis de tamareiras, vamos conversando pelas terras, surpreendemo-nos com resorts que parecem miragens surreais no meio do nada, atravessamos muitas terras secas e poucas terras férteis, calcorreamos solos marcianos e dunas lunares, cumprimentamos outros viajantes de carrinhas e das mais barulhentas e intrusivas moto 4.
Entre cada vírgula, a praia, as omnipresentes praias, largas como o mundo, dezenas e dezenas delas envolvendo toda a ilha (mais de metade das praias do arquipélago de Cabo Verde estão aqui) de areias finas, branquinhas ou douradas, bordejadas por águas translúcidas, um azul-turquesa que, claro, havemos de descobrir quentinho (varia ano fora entre 20 e 25 graus…). Quase sempre, sem ninguém (ou quase) à vista, que, à excepção de alguns povoados, o grosso da população reside na capital, Sal Rei.
Andamos de praia em praia já vindos dos 6km da "nossa" praia de Chaves, zona de desenvolvimento turístico com uma linha de resorts, onde se inclui o que nos alberga, o Iberostar, eficiente complexo com areal aos pés que, como os seus vizinhos, é uma verdadeira cidade balnear sob regime tudo-incluído. Poderíamos ter ficado por ali, como muitos milhares dos turistas deste sistema que domina os programas de férias locais, entre os restaurantes que cozinham especialidades locais com internacionais, piscina perfeita com contorno para o infinito, spa ou bares de piscina ou de praia, preguiçando numa quente brisa enquanto os animadores de serviço motivam os turistas para a dança ou para os jogos, espreguiçando nas camas colocadas no areal à beirinha da água. Para quem é adepto do TI e quer dar-se o luxo de uns dias sem mexer um dedo, a ilha é um paraíso a ter em conta e há meia dúzia de cidadelas turísticas (e outras em desenvolvimento) artilhadas com toda a preguiça a que se tem direito. Mas, vá, faça como nós e meta-se também ao caminho para descobrir outras essências da Boa Vista. Não é fácil e há que ter em conta que pode ser demorado, já que embora a ilha tenha ligações por estrada alcatroada, as passagens a muitas das boas vistas que procuramos são por caminhos empedrados e maioritarimente de terra (mais e menos) batida e/ou esburacada, pela areia e por nuvens de pó.
Nas areias do tempo
Custa, mas esqueçamos por momentos a praia. Sigamos antes directos para o deserto. Sim, há um deserto no meio do mar. Nesta ilha de pouco mais de 620km2, com uns 29km de largo por 30km de comprimento, a meio milhar de quilómetros do continente africano, cabe o real Deserto de Viana, que avança pelo noroeste da ilha, no interior da Ribeira de Estância de Baixo.
É a surpresa chamada Sara: desse gigante africano, trazem os ventos as areias que aqui se elevam branquinhas e finas, erigindo dunas clarinhas, corredores e abruptos vales. Coisa monumental onde, tal como as areias, parecem chegar trazidos pelo vento os vendedores senegaleses, que dominam o comércio do artesanato por toda a ilha. “Costumo dizer que daqui, este artesanato só tem a areia”, há-de dizer-nos fonte local bem informada. Mas já iremos ao verdadeiro artesanato. Para já, o certo é que senegaleses e deserto do Sara, esculturas em madeira de modelares africanas e máscaras tribais, aqui e agora, parecem casar-se em onírica perfeição.