“Aqui temos o melhor barro de Cabo Verde”, garante, enquanto nos mostra outro milagre local: na oficina, não há nem a velha roda de oleiro. Nem nunca houve: uma vez criado o molde é tudo formatado só à mão. Como saem direitinhas as formas arredondadas, é um segredo deles. Meia dúzia de artistas prosseguem as suas criações na sombreada e barrosa sala, enquanto aguardam por “mais apoio e maquinaria”. E mãos, “que faltam os jovens, que já não querem saber disto”, queixa-se Adolfo. Já houve programas de formação, “mas eles preferem ir para o turismo”. Ainda assim, na lojinha ao lado, perfilam-se todos os souvenirs e utensílios que se quiserem, de todas as tais tartarugas a baleias e tubarões, mãos para segurar telemóveis, esculturas, potes e cinzeiros e vasos ou até Garfields e Hello Kittys…
A questão do artesanato é “fulcral para a identidade” de Cabo Verde, há-de resumir-nos Wanda Fernandes, que além de ser directora de operações da Barracuda Tours – operador responsável por alguns dos nossos passeios por aqui e com vasto programa turístico na ilha (e não só) -, é também artesã e designer, já com uma colecção de têxteis criativos e contemporâneos e loja em Sal Rei. Para resolver a questão, Wanda e colegas artesãos querem criar uma associação dedicada ao artesanato realmente feito na Boa Vista. O projecto está em andamento e passa por formar jovens, desenvolver e preservar tradições, “ e produzir localmente o que é parte da nossa cultura”, sublinha. Se tudo correr bem, os turistas das próximas temporadas já poderão apreciar mais vivamente o artesanato local.
É em Sal Rei que encontramos uma das experiências de aproximação dessa cultura do artesanato, vinda da olaria de Rabil. Alcides Morais abriu a sua loja para turistas junto ao restaurante Alísios, na esplendorosa faixa da Praia do Estoril. Chama-se “100% Made in Boa Vista” e o artesão recebe-nos com um sorriso tímido. “Estamos chegando ao turista, vamos no bom caminho, não é fácil”, vai-nos dizendo enquanto nos mostra uma miríade de criações. Numa das paredes, um cartaz: em inglês, recorda-se que “o salário médio no país “é 150 euros”, “é por isso que as gorjetas são bem-vindas”. E seguem-se três pontinhos de exclamação neste lembrete do contraste entre o que o turista paga pelos luxos da Boa Vista e a luta local pela sobrevivência.
A ilha tem vivido, de facto, um desenvolvimento desenfreado nos últimos anos. O aeroporto internacional foi inaugurado em 2007 e posteriormente ampliado. Aos voos charters ou via a mui turística ilha do Sal (que a Boa Vista já ultrapassou em número de visitantes) soma-se agora a rota directa da TAP a Lisboa. O alcatrão avança à medida dos novos projectos turísticos (os actuais já oferecem mais de cinco mil quartos e há vários resorts em andamento), os turistas são já mais de 200 mil por ano (quatro vezes mais que em 2008), a população residente cresce ao mesmo vertiginoso ritmo: terá quase triplicado nos últimos 13 anos, de 4209 pessoas em 2000 para 9612 em 2010, segundo números oficiais, e, dizem-nos no terreno, é possível que já ande pelas 12 mil, uma população que se fica, estima-se que uma metade dela, pela capital Sal Rei, arrumadinha e bem disposta, onde, anexo, cresce à medida da chegada dos que procuram trabalho vindos de outras ilhas e países africanos um bairro apropriadamente conhecido como Bairro da Barraca (mas oficialmente Bairro da Boa Esperança), onde se aglomeram casas e casotos sem condições ou infraestruturas de água, luz ou saneamento básico. Num país que se prepara para um salário mínimo de 100 euros e que tem o turismo como força motriz da nova economia, as autoridades têm em marcha planos de requalificação para o bairro, além de projectos sociais e desenvolvimento gerais que acompanham a chegada de mais investimentos turísticos. De tantos anos esquecida e isolada, a Boa Vista passa a estrela do turismo internacional. Mas as dores deste parto prosseguem.