A sul, havemos ainda de cruzar pristinos caminhos para admirar mais praias (que a lista é mesmo infindável), com passagem pela de Lacacão até à do Curral Velho, larguras de areais uma vez mais espantosamente só nossos, à beira da Reserva Natural da Tartaruga que segue ao longo de todo o flanco leste da ilha. Do nada, surge-nos outro colosso turístico, o Riu Touareg, que parece uma gigantesca série de castelos de areia. Por aqui, planeia-se também uma das novas estrelas imobiliárias locais, o resort de Lacacão, cujos anúncios vamos vendo por quase todo o lado e que até inclui golfe.
Os nossos passos seguem pelo larguíssimo areal com os olhos num dos muitos ilhéus que circundam a ilha. Aqui, apesar de estarmos já no fim da época da desova das tartarugas, ainda permanecem as marcas na areia desenhadas pelos milhares de tartaruguinhas que, assim que nascem, nadam pela vida e pela areia rumo às águas. Junto à praia do Curral Velho, um sinal destes contrastes dos tempos de Cabo Verde, a aldeia homónima, abandonada desde os anos 80, vazia, um conjunto de velhas casas em ruínas com o seu quê de decadência romântica. Ainda há-de vir a tornar-se um poiso para turistas. Ente o cordão dunar, palmeiras e o vilarejo – onde a cada Verão se realiza um singular festival musical e gastronómico para matar as saudades –, um espelho de sal como um lago, entre secura e humidade, a faiscar ao sol.
Com esta imagem no olhar, não nos admira que milhares de tartarugas, símbolo global da Boa Vista e uma das maiores atracções turísticas, escolham a ilha para desovar. A tartaruga Caretta caretta (tartaruga-comum) é a espécie rainha, com milhares a acorrerem dos princípios do Verão aos finais de Outono à praia. Um espectáculo natural sem preço, mas com muitos riscos. Ameaçada de extinção, luta pela vida contra inimigos no mar e em terra: os ninhos são ameaçados de formas várias, desde os caranguejos até bandos de gatos selvagens e, claro, o homem, sejam os habitantes locais habituados a ver a tartaruga como alimento e lucro (sendo que hoje em dia é proibida a caça ao animal), sejam os turistas.
A Fundação Tartaruga é uma das organizações que se dedica a proteger os ninhos, e, como as restantes, desloca-os para cercos protegidos, patrulha praias, desenvolve acções de sensibilização e, no caso, envolve populações em brigadas de protecção. “O povo tem que sentir que vale a pena manter a viva a tartaruga, tem que sentir o impacto directo dessa defesa”, diz-nos José Tavares, da fundação, enquanto vamos calcorreando o areal com os traços das barbatanazinhas.
O peso turístico da tartaruga é outro factor: fazem-se visitas guiadas, elucidam-se e encantam-se os turistas com as visões das mães e seus milhares de filhotes. Mas Tavares é também crítico do “abuso”, porque o primordial é “proteger as espécies”. Aqui, entram em campo tanto as libertações diurnas das tartarugas para deleitar turistas que assim as podem ver melhor (as tartaruguinhas devem ser libertadas à noite) como a necessidade de impor medidas que protejam as reservas naturais e o equilíbrio do crescimento do turismo com a defesa dos animais. E “os hotéis muito perto das praias das desovas”, até as suas luzes brancas ou mobiliário, são um problema.