Apesar de estarmos por aqui já no final da época da desova e não termos, nem por sorte, direito a ver uma grande tartaruga na praia, é numa noite cerrada como breu que cruzamos a ilha para, pelo menos, saber mais deste ícone da Bubista. Com a Naturália, que se dedica ao turismo sustentável local, rumamos a um acampamento da Bios CV, outra das organizações que se dedica à protecção ambiental. Não há uma única luz, tirando pequenos focos de lanternas. “É para não confundir a tartaruga, nem luz nem barulho”, explica-nos Lamine Drame, um dos responsáveis pelo trabalho em campo. Connosco, apenas um pequeno grupo familiar de franceses, onde três miúdos fazem, com o silêncio possível, a festa da expectativa, apesar do aviso algo desapontante de Lamine: “Não prometemos ver qualquer tartaruguinha, que vocês chegam no fim da época”.
Mas temos direito a aprender tudo sobre as tartarugas e estes acampamentos, onde também acorrem anualmente muitos jovens em busca do volunturismo. Um aprofundado briefing explica a vida das tartarugas no mundo e na Boa Vista enquanto no ar paira a inquietação dos pequenos turistas que só querem ver os bichinhos: “se um ninho eclodir, sim, se não, não”, garante Lamine a cada inquietação.
E, no escuro e silêncio insular, o milagre ocorre. Serão umas onze da noite quando umas dezenas de tartaruguinhas decidem-se a furar um dos poucos ninhos alinhados numa das “maternidades” e onde seguranças velam todo o dia pela sua segurança. Num alguidar, recolhem-se as recém-nascidas e furamos todos em silêncio religioso pela noite rumo à praia. Os petizes franceses não cabem em si de alegria quando sentem nas mãos duas ou três tartaruguinhas que, como as manas, não param de dar às barbatanas como lhes manda a intuição.
A dois passos das ondas, Lamine vai libertando todos os pequenos répteis, invadido por mil e uma perguntas dos jovens turistas. E uma minha, se o turismo das tartarugas não poderá, ironicamente, afectar a sua protecção. “É um jogo de equilíbrio”, diz-nos Lamine. “Há o lado da sensibilização, de permitir ao turista vir e ver e de o povo perceber que a tartaruga viva traz esse dinheiro”, resume, salientando ainda que “o que o turista paga pelas visitas guiadas é essencial para mantermos todos os acampamentos e projectos”. O certo é que a imagem dos animais a seguirem a sua vida e levados pelas ondas, temos a certeza, nunca mais nos abandonará. Nem àqueles petizes franceses que, apostamos, serão defensores das tartarugas para sempre. Afinal, tiveram há momentos a sua vida nas mãos.
As mãos que embalam a ilha
E, a verdade, é que, na Boa Vista, parece termos sempre uma tartaruga nas mãos ou nos olhos, a lembrar-nos que ela é já “o” ícone local (e a lembrar a todos que vale mais viva e protegida que desaparecida…). Seja por fotos, desenhos, murais, posters, t-shirts, canções ou, claro, souvenirs. Neste momento, temos na mão uma tartaruguinha amarela, outra azul-eléctrico, outra vermelho-sangue. São é de barro.
Estamos na vila do Rabil, a dois passos do aeroporto e do nosso resort na área da praia de Chaves. Com dunas e palmeiras de um lado, a vila é uma paz de ruas empedradas com uma bênção: a ribeira do Rabil. É aqui que encontramos a defesa do velho e novo genuíno artesanato local. Graças à Escola de Olaria, nascida duma fábrica dos anos de 1960. Uma velha arte que hoje em dia se põe ao serviço da preservação de peças locais e, claro, das recordações para os turistas que, ainda assim, acossados pelas praias, aldeias e capital com souvenirs de proveniências estranhas, não o preferem. “Temos ainda que chegar melhor ao turista”, desabafa Adolfo Gonçalves, um dos artistas desta arte ancestral da ilha.