Fugas - Viagens

Continuação: página 5 de 10

Os jovens, os resorts e a foice

A cidade descrita por Paul Theroux em O Grande Bazar Ferroviário, publicado em 1975, já não existe e ninguém se lembra dela. As árvores, vaporizadas pela teimosa humidade, voltaram. A montanha do Macaco e as montanhas de Mármore (de onde saiu o mármore para o túmulo do líder vietcongue Ho Chi Minh) são alternativas ao programa de praia. Mais: o museu Cham, um grupo étnico que teve preponderância política enorme, mas que hoje está condenado a uma minoria, e o templo de Cao Dai. A cidade é também a melhor forma de chegar às históricas Hué e Hoi An

 

Hué, a imperial

Ao longo da estrada N.º1 — conhecida durante a guerra como a “estrada sem alegria” —, o mesmo cenário: a silhueta das montanhas verdejantes, a linha de comboio, com as suas pontes de ferro em azul-turquesa esbranquiçado, uma fileira de casas e estabelecimentos comerciais, alfaiates e pronto-a-vestir, cemitérios, pequenos pagodes ou altares dedicados ao culto dos antepassados ou a omnipresença de edifícios públicos com a bandeira nacional (a estrela amarela sob fundo vermelho) e a foice e o martelo da bandeira do partido comunista. Nos intervalos, os arrozais estendem-se até aos sopés das montanhas (o arroz é colocado a secar na estrada, de forma metódica) e os chapéus cónicos, tradicionais no país, destacam-se neste cenário que desafia as glândulas sudoríparas. O calor mantém as portas abertas, o comércio sem portas também se mantém aberto, as galinhas passeiam pelos solavancos da terra.

Da Nang sempre foi a melhor forma de se atingir Hué. Quando esta se tornou, entre 1802 e 1945, a capital vietnamita, Da Nang já era o local de chegada das delegações internacionais que se dirigiam à corte (cortesia do The Rough Guide to Vietnam). A dinastia Nguyen, fundada por Gia Long, construiu a sua cidade imperial de Hué no centro do país para que ele se unisse. Gia Long foi ajudado pelos franceses na ascensão ao trono, mas a sua recusa na atribuição de concessões comerciais não lhe terá sido muito benéfica. De inspiração confuciana e construída por engenheiros chineses, a cidade imperial é uma manifestação tardia de mimetismo da congénere da capital chinesa. Grande parte da cidade imperial foi destruída pela guerra, mas os edifícios estão a ser recuperados, e nem sempre da melhor maneira, com o recurso à sua reconstituição digital. A sua organização localiza a cidade proibida no centro, reserva os habituais pavilhões para a mãe e família do imperador, para o tesouro real ou para a guarda imperial e demais edifícios civis.

A sua importância histórica, marcadamente aristocrática, também se reflecte nos vários mausoléus reais da dinastia Nguyen situados num vale próximo do rio Perfume, um arremedo muito singelo do Vale dos Reis nas margens do Nilo. Cada um dos sete mausoléus representa a personalidade do respectivo monarca e foram concebidos como palácios funerários. Entre eles, os mais notórios são os mausoléus de Duc Duc, Khai Dinh e Minh Mang, monumentais construções de influência barroca, por vezes, às quais não escapam elementos ornamentais sino-vietnamitas. A influência francesa em Hué, reflectida nos antigos edifícios administrativos, alguns dos quais transformados em hotéis, vive igualmente do outro lado do rio Perfume, sempre com as suas sete flores de lótus, na margem oposta da cidade imperial. Dois impérios não cabem na mesma margem.

--%>