Fugas - Viagens

Os jovens, os resorts e a foice

Por Amílcar Correia

Há um novo país no Vietname. O país dos jovens — mais de metade da população tem menos de 25 anos — e o país do turismo — a nova indústria cresce e multiplica-se com rapidez asiática. Esse país não fica nem no Norte nem no Sul, que é a mesma coisa que pronunciar Hanói e Ho Chi Minh. Fica no centro. Em Na Dong, Hué, Hoi Na e Nha Trang.

Grace, aos 25 anos, tem uma ambição maior do que a idade. Tiên também tem 25 anos e é um hedonista compulsivo. Hoang Thuy Trang (Grace para facilitar as coisas) é relações públicas do Intercontinental de Da Nang e podem apostar que um dia destes estará a trabalhar num outro grande hotel da Europa ou da Ásia. Tiên, chef no An’s Café, numa das transversais da marginal da terceira cidade do Vietname, só faz planos, para já, em cada uma das noites de diversão no Golden Pine, um bar com vista para o rio Han.

Grace faz parte de uma geração sem traumas, nascida após o final da guerra, e que olha sem ressentimento para a celebração das principais datas históricas da República Socialista do Vietname. Ou será uma geração sem memória? “A guerra civil [entre Norte e Sul do país] foi uma disputa pelo poder.” Quanto à guerra do Vietname”, reparem na graciosa diplomacia, “depende da perspectiva: eles dizem ‘a guerra do Vietname’, nós dizemos a guerra contra os americanos”. O Viêt Nam News, um diário em inglês, a despeito disso, continua a relembrar na sua coluna Today in History, o nascimento de Karl Marx a 5 de Maio de 1818 ou o nascimento do revolucionário Phan Dang Luu, um dos primeiros líderes do partido comunista vietnamita, capturado e morto pelos franceses em 1902. E o Estado celebra os 60 anos da vitória sobre o poder colonial francês em Diên Biên Phu, uma contagem decrescente para os 40 anos da vitória sobre o exército americano, uma efeméride à qual o poder vietnamita dispensará a devida atenção no próximo ano. “Não é que não nos interessemos. O que não queremos é passar muito tempo a pensar nisso; queremos aproveitar a vida”, resume Grace.

É o que faz Tiên, com os amigos e colegas de trabalho, nos bares tonitruantes de música ao vivo da Rua Bach Dang. Aqui, num pequeno amontoado de bares e esplanadas de estilo ocidental, um cantor versátil, de gorro enfiado, solta versões de Bryan Adams, Rihanna, Scorpions e por aí fora. Até cantar Let it Be, metáfora da fatalidade: “Um país, dois sistemas”. Cá fora, nas esplanadas, vendedores de rua aproximam-se de motociclo, bicicleta ou a pé e propagam os seus legumes, batatas, fruta, lenços de papel. Raparigas vestidas de branco, de calções tão curtos quanto justos, vendem tabaco avulso aos clientes. A noite acaba com kuduro, numa pista de transpiração de jovens locais e turistas europeus, numa dança descarada e licenciosa.

Mais de metade dos 90 milhões de habitantes do país mais oriental da península do Sudeste Asiático tem a idade de Grace e de Tiên. É a idade dos funcionários dos serviços de fronteiras ou do aeroporto; é a idade de quem trabalha na indústria do turismo, nos hotéis ainda pintados de fresco. É a idade de toda gente. É preciso ir a Hoi An para encontrar vietnamitas mais idosos, sobretudo de origem chinesa, e vítimas da guerra, das minas ou do repugnante agente amarelo, que ensaiam a sobrevivência a vender a turistas o Viêt Nam News. “Um dos principais aspectos do novo Vietname era a sua compaixão, a sua ausência de má vontade ou de recriminação. Culpar, queixar-se e procurar piedade são traços fracos na cultura vietnamita; a vingança é um desperdício. Ganharam a guerra contra nós porque foram tenazes, unidos e engenhosos e também era assim que estavam a construir a sua economia”, escreveu o norte-americano Paul Theroux em Comboio-Fantasma para o Oriente. Mais concentrado no seu desenvolvimento económico e oferta turística do que em regressar às cicatrizes da guerra que o cinema eternizou no imaginário ocidental, o Vietname é, literalmente, um país novo. Por duas ordens de razões: esta, a populacional, e a outra, a tenaz, emergente e galopante indústria do turismo.

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