Há um movimento inusitado no Passeig del Born. Da esplanada vemos uma multidão a concentrar-se, a caminhar (mais ou menos) compacta. A clareira que se abre tem um protagonista, um homem — segue-o uma câmara, apontam-se-lhe vários telemóveis. Na mesa ao lado, o burburinho de identificação e vamos acreditar na conclusão: é o modelo espanhol Andrés Velencoso, fama conquistada pelo seu namoro com Kylie Minogue. Espanhol e catalão de Tossa de Mar passaria (quase) despercebido no Born não fosse o aparato em seu redor.
De jeans, t-shirt branca e sapatilhas seria mais um que enche o bairro de Barcelona na tarde de sábado de final de Julho. As esplanadas estão cheias, há quem circule de e para a praia, há quem abra mapas. O Born tornou-se um dos bairros da moda há poucos anos, ao mesmo tempo que o Raval, e, ao contrário deste, resistiu bem ao rótulo que não só se manteve como floresceu. Bares — os cocktails por aqui abundam —, lojas alternativas e vintage, de roupa e design de jóias, pequenas galerias e grandes museus (como o Museu Picasso) margeiam-lhe as ruas, muitas pedonais, num canto de Barcelona encaixada entre o bairro Gótico, epicentro turístico, e Barceloneta, com as suas praias lotadas. O Parc da Ciutadella está ao lado e agora mais perto do que nunca do Passeig del Born, esta rambla que é o centro nervoso do bairro que ainda mantém uma certa aura medieval — a recuperação do Mercado do Born trouxe uma requalificação dos espaços em volta, com uma enorme esplanada a rodeá-lo que é o novo e mais directo caminho para o parque. E aqui é também o coração das comemorações do Tricentenário – assim mesmo, apenas “tricentenário”: do 11 de Setembro de 1714, a data que assinala “o amor extremo dos barceloneses pela liberdade”, como escreveu Voltaire. Uma liberdade que está outra vez na boca de muitos catalães que clamam por um referendo sobre a independência da região autónoma.
Num canto da Praça da Catalunha, uma banca flanqueada pelas bandeiras da Catalunha e da União Europeia chama-nos a atenção. O toldo é amarelo, as mesas estão cobertas de panos azul forte; há t-shirts penduradas, artesanato, panfletos, posters com uma urna de voto (e dois boletins de votos: sí ou sí) e cinco pessoas lá dentro respondem à curiosidade de quem passa. Aqui, na principal encruzilhada turística de Barcelona (no subsolo, metro e comboios chegam e partem em movimento contínuo, numa das esquinas as Ramblas iniciam o seu caminho até ao mar, já aqui para cima é a passerelle do Passeig de Gracia que se estende, o bairro Gótico está a espreitar) são muitos os estrangeiros que se aproximam. E também eles são instados a assinar uma petição pela realização do referendo catalão (marcado para 9 de Novembro) que o governo espanhol recusa. A iniciativa é da Assembleia Nacional Catalã (ANC), criada oficialmente em 2012, uma organização “popular, unificada, plural e democrática que trabalha para que a Catalunha se torne um novo estado europeu”, lê-se no site oficial. “Não é um partido nem deseja tornar-se num”, continua, “é uma organização de cidadãos que participam livremente como indivíduos e votam nas eleições em diferentes partidos. O que os une é a convicção de que a Catalunha tem o direito a ter a sua voz própria no mundo. Ou seja, a tornar-se um estado democrático, como qualquer outro.” “É uma questão de democracia do Estado espanhol”, diz-nos Víctor Acedo, que nem é catalão — vem de Zamora, “mais perto de Portugal”. E Portugal é chamado à liça por uma companheira de lides, que lembra que “os catalães querem o que Portugal conseguiu em 1640”. Não é a única zona de Barcelona que tem estas bancas — estão em todos os distritos, dizem-nos, mudando regularmente de bairro.