Chegamos a Gudvangen, pensando que já está, que este pedaço da Noruega já nos ofereceu o que tinha de mais bonito para dar e que podemos regressar a Bergen sossegados, de olhos fechados, se preciso for, porque não deve restar mais nada para ver. Mas, então, a camioneta que nos vai levar à estação de comboio de Voss (onde apanharemos o comboio de regresso a Bergen), sai da estrada e sobe uma via estreita, seguindo as indicações do Hotel Stalheim, que a Lonely Planet diz ser “o hotel mais espectacularmente situado da Noruega” e nós estamos a breves minutos de perceber porquê.
A camioneta não pára no hotel, passa-lhe à frente e prepara-se para começar a descer e é então que as bocas de todos a bordo (talvez com a excepção do motorista) se abrem de espanto. À nossa frente, está a antiga estrada do correio, construída em 1780 para ser percorrida por carruagens e cavalos, com treze curvas que parecem cortadas em ângulo recto e uma inclinação de 18%. A Stalheimkleiva, inserida no vale de Nærøydalen, oferece uma vista demasiado bela para poder ser descrita. Já não quero saber das cascatas que nos acompanham e desisto de perceber como é que o autocarro de turismo consegue fazer aquelas curvas. Só consigo ter os olhos presos ao vale profundo que se estende à minha frente, como a surpresa guardada para o final do cruzeiro por alguém que se há-de estar a rir de nós, dizendo: e pensavam que não havia nada mais bonito para ver hoje?
Regressamos a Bergen com o sol ainda a acompanhar-nos, nestes dias compridos do Verão norueguês, e quando passamos pela Torgalmenningen, a praça alongada do centro, espera-nos uma última surpresa: a Orquestra Filarmónica de Bergen celebra 250 anos e decidiu oferecer ao público um concerto gratuito, ali na praça. Em cena, acabada de começar, está Peer Gynt, a peça de Ibsen, musicada por Edvard Grieg. Não percebemos o que dizem as personagens, mas que importa isso? Deixamo-nos ficar de pé, durante hora e meia, naquela praça cheia de centenas de pessoas silenciosas, sorrindo quando sorriem, porque não é preciso perceber a língua quando há expressões faciais tão marcantes, seguindo cada gesto de alegria e desespero dos actores, pregados ao chão, até ao fim.
Stavanger, a cidade branca
Stavanger é a última paragem da viagem, antes de regressarmos a Oslo e a casa. Quisemos ir lá empurrados pela imagem da Rocha do Púlpito, suspensa sobre o Lysenfjord, com uma vista absolutamente deslumbrante. Não sabíamos ainda se veríamos a rocha ou de onde a veríamos (escalar até lá cima era uma possibilidade ainda por confirmar), mas compramos um bilhete de camioneta para nos levar à pequena cidade branca e rica em petróleo do Sul da Noruega, e logo se veria.
Enquanto aguardamos pelo transporte, na sala de espera da estação, uma jovem de galochas e guarda-chuva, inclinada sobre um livro, espreita-nos e acaba por meter conversa. Sim, é portuguesa. Não nos diz o nome nem de onde vem, mas diz que era professora. Uma professora desempregada que decidiu experimentar a sorte na Noruega. E está a gostar? “Como se pode não gostar quando mudamos para melhor?”, responde-nos, mas notamos alguma nostalgia na resposta. Ela fala com entusiasmo da vida no fiorde onde mora, a 50 minutos de Bergen, e de como conhece todas as crianças de lá. Entusiasma-se com a escola que termina às 14h30, já com todas as actividades escolares concluídas, “porque os noruegueses acreditam que as crianças precisam de tempo livre para brincar”. Mas não parece querer alimentar ilusões sobre a possibilidade de, um dia, abandonar o trabalho na área do turismo que arranjou e poder, ali, dar aulas. “Logo se vê, assim já está bem”, diz, antes de termos de nos despedir porque chegou a hora da partida.