Embarcar numa viagem de camioneta, na Noruega, não quer dizer, nem por sombras, que não teremos de entrar num barco em determinado momento. De Bergen a Stavanger fazemos dois trajectos de ferry, durante os quais temos de abandonar a camioneta estacionada na barriga do grande barco, e podemos esticar as pernas e beber um chocolate quente a bordo. Também passamos por lagos rodeados de ovelhas e barcos, que nos fazem lembrar a paisagem irlandesa, e percorremos túneis que o motorista faz o favor de descrever assim: “Este túnel tem oito quilómetros e corre a mais de 200 metros abaixo do nível do mar. Sim, há muita água sobre as nossas cabeças.”
Stavanger é uma cidade tranquila. A Velha Stavanger, na colina a oeste do porto, transporta-nos para uma outra era, com as ruas silenciosas que passam entre casas brancas de madeira, do final do século XVIIII, coloridas pelos vasos e floreiras que ornamentam portas e janelas. Do outro lado do porto estão os bares, restaurantes e a Breigata, a rua onde o branco da Velha Stavanger é definitivamente esquecido nas cores berrantes que pintam as fachadas das casas. A cidade recebeu-nos com chuva e no posto de turismo dizem-nos que as previsões para os próximos dias não são melhores. Também torcem o nariz à possibilidade de fazermos a caminhada de três horas até à Rocha do Púlpito, quando percebem que no grupo não há caminhantes experientes. Decidimos deixar a subida para uma próxima viagem e compramos bilhetes para um cruzeiro no Lysenfjorden, na manhã seguinte.
Choveu a manhã toda, às vezes com intensidade, mas nem assim conseguimos ficar no interior do M/S Rygertroll. O Lysefjord não tem as paredes rochosas altas e que parecem ter sido cortadas a direito, das paisagens clássicas norueguesas, mas não deixa de ser encantador, e percebemos por que lemos algures que este acaba por ser, muitas vezes, o fiorde favorito dos visitantes.
O barco, bem mais pequeno do que aquele que nos levou através dos dois braços do Sognefjord, aproxima-se, às vezes, da costa quase até a tocar. Entra numa baía recôndita, onde quase podemos espreitar às janelas das casas, afasta-se e segue viagem, entrando cada vez mais no fiorde com 42 quilómetros de comprimento, e levando-nos, agora do outro lado, até bem perto das suas paredes escarpadas. Entra, à ré, na reentrância que dá acesso à chamada “gruta dos vagabundos” e volta ao centro do fiorde, antes de se aproximar, de novo, da rocha onde duas cabras saltitam em direcção a uma minúscula plataforma. Percebemos o porquê no minuto seguinte: um dos funcionários do barco salta para a rocha, carregando um balde com folhas de alface, a que as cabras se atiram, com entusiasmo.
Já há algum tempo que perscrutávamos o topo das rochas em busca do Púlpito, mas elas estão muitas vezes cobertas de névoa. Minutos depois de deixarmos as cabras para trás, percebo que o Púlpito não está visível, quando vejo um dos funcionários abanar a cabeça em sinal negativo, na direcção do capitão. Era ali que estava a Rocha do Púlpito e, entre a neblina, ela é quase visível (ou estarei a imaginar coisas?), um pedaço de rocha a direito, que parece ir desprender-se a qualquer momento e despenhar-se no mar. Mas lá diz a lenda que vai sendo desfiada no altifalante, isso só deverá acontecer “se sete irmãos do fiorde casarem com sete irmãs do fiorde”.