- Nunca mais vi o meu pai e a minha mãe. Mas sei que estão vivos.
Declarado Património da Humanidade em 1994, a sua construção foi iniciada no século XVII pelo V Dalai Lama, trabalhos que se foram prolongando pelo tempo fora, até adquirir a forma actual, com os seus 13 pisos, 130 metros de altura e mais de mil aposentos, capelas e salas de oração.
Gorjee, ou as suas palavras, recordando a fuga, está sempre presente quando lanço olhares a tão imponente estrutura.
- Foram semanas terríveis, sob fortes tempestades, pouco agasalhado.
Algumas paredes do Potala têm uma espessura de cinco metros, como se fosse a morada de um deus inacessível.
- Comigo, havia outras três crianças. Quando recordo a epopeia, ainda me custa a acreditar como fui capaz de vencer a fome, as condições climatéricas, as longas caminhadas, a ausência da minha família.
Antigo símbolo do governo lamaísta do Tibete, há muito hipotecou a sua vocação sagrada e, uma vez órfão de monges e de poder, não é hoje mais do que um museu.
- Por vezes, durante o dia inteiro, não havia mais do que uma maçã para dividirmos entre os três.
Quando se olha para o Potala, o mais indiferente dos viandantes sente-se pequeno perante tamanha grandiosidade e nem se apercebe de que, na verdade, são dois palácios sobrepostos: o branco, sede do governo e residência de Inverno do Dalai Lama; o vermelho, apenas reservado às actividades espirituais, ambos encimados por telhados dourados que resplandecem à luz dos raios solares, “como línguas de fogo”, segundo o relato de Edmund Candler, jornalista que foi correspondente em Lhasa do diário inglês Daily Mail no início do século passado. No Potala viveram e reinaram todos os Dalai Lama que governaram esta terra que tanto imaginário preenche entre turistas - e oito deles aqui foram sepultados, em stupas atapetadas de ouro, prata e pedras preciosas.
- Só voltei a ter contacto com a minha família em 2008. Ao telefone, não mais fazíamos do que chorar. Eu esquecera a minha língua.
A invasão militar chinesa levou ao exílio Tenzin Gyatso, o último Dalai Lama, e hoje o Potala não é mais do que um museu, sem alma, como o Tibete. Mas os seus aposentos permanecem intactos: a cama, a sua chávena de chá, o seu trono, fazendo deles o lugar mais venerado em todo o palácio. Quando os observo, vejo neles um sinal de esperança para o povo tibetano mas as palavras de Gorjee são como um eco entre estas paredes sem vida:
- Não é fácil ser tibetano no Tibete.
Sanaa, Iémen
- Mister, mister!
Nunca tive essa pretensão mas não resisti a olhar para trás e vi um menino de olhos escuros e cheios de brilho exibindo na palma da mão as notas de riais que eu havia perdido no momento em que saíra do pequeno autocarro que me trouxera desde o aeroporto. O coração encheu-se-me de gratidão: uma manifestação de que qualquer receio face à instabilidade política do país era de todo infundado. Embrenho-me na cidade, situada 2300 metros de altitude, e penso no que escreveu Joseph Kessel (1898-1979), jornalista e novelista francês, no ainda actual Fortune Carrée, publicado em 1932: “Sanaa, no meio do corte prodigioso de pedra e lava que fermentam nas montanhas do Iémen, encontra-se isolada do mundo e perto do céu.”