Fugas - Viagens

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Hampi, a História da Índia ao vivo e a cores

Ainda que o turismo se tenha convertido numa sensível fonte de receitas para a população, a par da agricultura, é a peregrinação diária de fiéis hindus e cenas da vida local que mais peso têm na atmosfera de Hampi Bazaar. Diante do enorme gopuran do templo, de onze andares, cinquenta metros de altura e feitura quatrocentista, o ambiente transpira uma mescla de sinais, em contínua rotação ao longo do dia: o vaivém dos peregrinos, alguns trajados de sarongs negros debruados de laranja, vacas de passo indolente e imensamente sociáveis, macacos equilibrados nas muralhas e no altíssimo portal do templo, os mantras do fim da tarde, as barraquinhas de comida de rua com as suas fumaradas e os seus pastéis picantes a dez rupias cada, a vendedora de fruta, de mirada estrábica, a escolher a papaia mais doce para ser degustada no local, o inevitável chá com leite a toda a hora, o vendedor de flautas de bambu em toques de encantar os turistas, os guias a propalarem os seus serviços, os condutores de riquexó à cata de clientes para Kamalapuram, para o Centro Real ou para o cais onde se apanha a lancha de Anegundhi, do outro lado do Tungabhadra, a minúscula velhinha que mal anoitece se deita num canto a dormir, embrulhada em panos a que o tempo há muito roubou a cor.

Cada espaço tem em Hampi um significado que transcende a sua dimensão material e a sua funcionalidade. Podemos imaginar a algazarra mundana dos vendedores e dos passantes nos idos do império, mas os simbolismos têm quase sempre conotações religiosas. Hampi é uma modernização anglófona de Hampe, palavra mais antiga que seria uma corruptela de Pampa, como é nomeado o Tungabhadra nas narrativas do Ramayana. A associação de lugares da capital de Vijayanagar a episódios e figuras dos textos sagrados hindus do Ramayana é uma insistente característica de Hampi. Bazaar refere-se à avenida de quase um quilómetro de extensão onde funcionava o principal bazar da cidade — em ambos os lados podemos ver as arcadas das lojas em pedra, algumas pintadas, sinais de uma ocupação recente pela população de Hampi. No termo da avenida, no lado oposto ao Virupaksha, fica a Matanga Hill, uma colina de cujo cimo o visitante abarca um panorama soberbo sobre uma boa parte de Hampi: a norte e a leste, o rio Tungabhadra e o templo Vittala; no sopé, o templo Achyutaraya, ao lado de campos cultivados e de bananais; a poente, o Virupaksha, acossado de manhã à noite por um formigueiro de peregrinos, ao lado de uma colina pejada de templos jainistas. Lá mais para sul, entre penedos e muralhas, percebemos o complexo de edifícios do Centro Real, as muralhas da fortaleza, os estábulos dos elefantes, o Lotus Mahal, onde a rainha costumava repousar das suas fadigas.

Em direcção a Kamalapuram e ao Centro Real a estrada é bordejada por alguns magníficos templos, como o dedicado a Krishna, com o seu grande lago quadrangular no interior, usado para as abluções dos peregrinos. A água é um elemento omnipresente em Hampi, graças aos canais de irrigação e às condutas que a levam até ao coração dos templos. Ao fim de três ou quatro quilómetros estamos no Centro Real, onde as estruturas residenciais da realeza de Vijayanagar atraem um maior número de visitantes, quer por se situaram em local de mais fácil acesso, quer porque são, no plano arquitectónico, fortemente simbólicos. São edifícios que dão conta da evolução arquitectónica nos dois séculos e meio de duração do império e testemunham uma expressiva integração de elementos islâmicos, como mostram as fachadas dos estábulos dos elefantes reais e do Lotus Mahal, um pavilhão geométrico e ecléctico que combina elementos arquitectónicos hindus e islâmicos. Estas incorporações culturais foram, afinal, não podemos deixar de pensar, a primeira vitória do inimigo islâmico, antes da batalha de Talikota, que destruiu o império e levou ao abandono da cidade há cerca de 450 anos.

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