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Hampi, a História da Índia ao vivo e a cores

Na pedra a memória

Atrás da colina de Matanga há outro bazar e mais arcadas de pedra na berma da larga avenida que vai até às portas de um templo enquadrado entre fragas abruptas e bananais. Tem o nome do soberano que o mandou construir, Achyuta, entre 1513 e 1538, no tempo em que os portugueses Fernão Nunes e Domingo Paes ali viveram. Achyutaraya é um complexo com vários templos e uma mantapa (edifício em forma de alpendre, usado para várias cerimónias) dentro de um recinto murado, como acontece noutros lugares de Hampi. E também como noutros templos da capital de Vijayanagar, são incontáveis as figuras esculpidas na pedra — elefantes, cavalos, mercadores árabes, dançarinas. E uma divindade feminina, no templo de Lakshmi, com dez braços em leque e uma arma em cada uma das mãos.

O caminho segue sempre a margem do rio e Vittala fica a um quilómetro do cais de passagem para Anegundhi, lugar onde se pode contratar um auto riquexó para fazer os sete quilómetros de estrada até ao templo de Hanuman. Um dos mais elegantes templos do conjunto de Vittala é o templo Vijaya, com as suas colunas monolíticas minuciosamente trabalhadas e ornamentadas com figuras de cisnes, de dançarinas, flores de lótus, exemplos de posições de ioga e cavalos. O Vijaya não é o único caso em Hampi de evocação da arte escultórica do precedente reino hindu Hoysala, tão brilhante nos templos de Belur e Halebid, mas será talvez o exemplo mais cativante pela delicadeza da ornamentação e pela harmonia arquitectónica.

O ex-líbris de Hampi está diante do Vijaya e avista-se logo que passamos o gopuran de Vittala: uma carroça de pedra que invoca momentos significativos das narrativas do Mahabharata e um tanto semelhante às que ainda hoje vemos em certas cerimónias dos templos hindus, puxadas por grupos de peregrinos. Entre as figuras esculpidas nos frisos inferiores, como memória que a pedra guarda dos dias de ouro do império, estão soldados, caçadores, cavalos e mercadores estrangeiros que a Vijayanagar iam fazer os seus negócios: árabes, persas, portugueses.

O que dali eu vi pareceu-me tão grande como Roma

Nesta história entram, também, dois portugueses, Fernão Nunes e Domingo Paes, viajantes que deixaram relatos do esplendor da grande capital do império de Vijayanagar (a que chamaram Reino de Bisnaga). Supõe-se que João de Barros terá tido acesso a esses documentos, conservados actualmente na Biblioteca Nacional de Paris, para a composição das suas Décadas. Os dois mercadores viveram um par de anos em Vijayanagar, numa época de grande prosperidade do último império hindu, por volta da segunda década do século XVI, e os registos de que foram autores são considerados como de suma importância para o seu conhecimento. Ambos descrevem nesses relatos muitos pormenores da vida quotidiana e episódios da História de Vijayanagar, tal como, certamente, terão observado e ouvido de fontes hindus durante a sua permanência na capital. As descrições das crónicas destes dois portugueses são consideradas pelo historiador britânico Robert Sewell — que as traduziu e publicou em inglês em 1900 — como muito mais vívidas do que textos de importantes historiadores europeus. “By the side of these two chronicles, the writings of the great European historians seem cold and lifeless”, escreve Sewell na introdução de A Forgotten Empire: Vijayanagar, a Contribute to the History of India, obra reeditada em 2006.

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