O rio Tungabhadra é o maior afluente do Krishna, um dos rios sagrados da Índia, e é mencionado nas páginas do Ramayana. Na margem norte, no cimo de uma colina, um pequeno templo assinala o lugar de nascimento do deus-macaco Hanuman, encarnação de Shiva, de acordo com os milenares textos sagrados do hinduísmo. É preciso trepar uma meia hora para vencer os quase mil degraus até ao topo. Lá de cima avista-se o Tungabhadra deslizando em demoradas curvas, entre a penedia de granito a arder ao sol, e ao fundo, a oriente, a passagem para a aldeia de Anegundhi. Onde não se planta penedia vemos arrozais dourados e camponeses atarefados com a colheita. Na outra margem está o templo Vittala e diante dele uma longa alameda rodeada por rítmicas arcadas de pedra e por uma série de bizarras formações rochosas. Ali funcionava um dos vários bazares da antiga capital do reino de Vijayanagar, que as crónicas descrevem como lugar de grande azáfama comercial e agrícola e onde acorriam muitos estrangeiros a mercar.
Para entender o que levou à criação desta extraordinária paisagem arqueológica, que a UNESCO elevou à condição de Património Mundial, não basta ao viajante entreter-se com as vistas. É preciso um olhar sobre momentos cruciais da História do subcontinente, os mesmos, sem dúvida, essenciais também à compreensão do caleidoscópio cultural e religioso da Índia. Até à constituição de Vijayanagar, o sul do subcontinente indiano acolhia antigos reinos hindus de pequena dimensão. Foi a ameaça do avanço islâmico a partir do norte, agravada na primeira metade do século XIV, que determinou uma aliança entre alguns desses reinos. Um deles tinha sede na margem do Tungabhadra, no local onde hoje se encontra o povoado rural de Anegundhi, e a escolha do local para a capital do nascente império tinha razões visíveis — a morfologia do terreno, dominada pela presença de maciços graníticos, úteis na defesa contra possíveis atacantes, e a vizinhança do rio, que, além de constituir uma barreira física, oferecia as suas águas aos agricultores. O império de Vijayanagar (que significa “A Cidade da Vitória”) haveria de durar quase 250 anos, até à segunda metade do século XVI, e estender-se-ia desde os planaltos do Decão até ao Cabo Comorim. Ironicamente, acabou por sucumbir às mãos do mesmo factor que determinou a sua criação, a pressão dos sultanatos islâmicos. Segundo alguns historiadores, o fim de Vijayanagar teve uma influência, ainda que indirecta, sobre os negócios lusitanos na Índia, acelerando a sua ruína. As relações de Portugal com o reino de Vijayanagar, em cujo litoral se estabeleceram feitorias portuguesas, foram marcadas, aliás, por ocasionais alianças e acordos, e não eram incomuns as jornadas de viajantes lusitanos por terras do último grande império hindu.
Hampi Bazaar
A aldeia de Kamalapuram, a sul de Hampi, pode ser um dos pontos de acesso ao recinto. Está a dois passos do Centro Real e de trechos da antiga muralha, e acolhe o museu arqueológico, mas o povoado de Hampi Bazaar é bem mais interessante como base para exploração do que resta da capital de Vijayanagar — fica à beira do rio, mais ou menos equidistante de Anegundhi e do Centro Real. É um pequeníssimo aglomerado de casas — umas dezenas, muitas delas transformadas em guest houses e restaurantes — e vive paredes-meias com o grande templo de Virupaksha, importante centro de peregrinação hindu nesta parcela do Karnataka.