Metamorfoses do dia
A partir de Hampi Bazaar abre-se ao caminheiro um mundo quase infinito de possibilidades de exploração da área, incluindo a organização de itinerários em ambas as margens do rio, já que há vários pontos de travessia e barquinhos em constante vaivém. O recurso a um guia no primeiro dia, para localização dos monumentos mais importantes, pode ser uma boa ideia, deixando para depois jornadas mais à feição do ritmo e dos impulsos de cada andarilho. Mas não é irremediável a cedência ao que pode ser uma visita mais estruturada — há mapas disponíveis, sinalização dos templos, gente a quem perguntar, e, sobretudo, vale a pena lembrar o inestimável valor da autonomia e do caminhar solitário por uma paisagem natural e cultural a cada passo surpreendente e desafiadora.
No fundo da avenida do bazar, aos pés da Matanga Hill, começa aquele que é um dos percursos mais estimulantes pelas ruínas de Vijayanagar — chamar-lhe ruínas não faz, bem entendido, justiça ao excelente estado de conservação de muitas construções. O caminho segue o curso do rio, obediente aos caprichos da penedia, desvelando ao andarilho uma série de templos, alguns ainda em uso, com os seus locatários, oficiantes e fiéis. Ao caminheiro não basta olho de lince para as belas gravuras dos templos, para as figurações eróticas mais ou menos recatadas no topo das colunas, nas alturas do gopuran de Virupaksha, nos degraus do templo Vitalla, jamais emulando as famosíssimas indiscrições de Khajuraho. Com as mudanças de luz a paisagem transforma-se e o mesmo lugar desdobra-se em infinitas faces — não é, pois, apenas a vastidão do recinto que exige muitas horas de deambulação pelo fantasma de Vijayanagar.
Hampi é também um espaço de vida rural, com gente e bichos em movimento, e o viajante que meter os pés pelas veredas que correm pelo meio das fragas e ao longo do rio terá uma visão do quotidiano dos camponeses da região e das andanças dos seus múltiplos actores: gente de regresso das lides agrícolas com molhos de lenha à cabeça, uma colónia de macacos ocupados ao último sol da tarde com rituais de catadela social, uma manada de búfalos demorando-se sobre a erva tenra da beira-rio, rebanhos dóceis e pastores como os há em toda a parte do mundo, cabritos a meterem o focinho pelas portas dos templos, religiosos do templo Kodandarama sentados a olhar para o rio ou para sítio nenhum, lavadeiras debruçadas sobre as águas, barquinhos redondos que parecem cestos a flutuar, miúdos a mergulhar e a desafiar os crocodilos desenhados nos cartazes que interditam banhos fluviais, corvos em monótonas, aborrecidas cantarolices, vendedoras de água de coco e de sumo de cana-de-açúcar à sombra de enormes calhaus de granito ou de árvores antigas. Do outro lado do rio avista-se um punhado de pequenos templos dispersos e equilibrados nas encostas rochosas, funâmbulos e quase invisíveis, como camaleões exímios nas artes do mimetismo. Para poente, elevando-se acima dos palmeirais, no contraluz do ocaso, permanece sempre visível, como um farol, o gopuran de Virupaksha.