Heranças lusas
É noite de Liga dos Campeões e o FC Porto enfrenta o Chelsea de Mourinho um dia depois de os encarnados, embora perdendo em casa frente ao Atlético de Madrid, terem garantida a passagem aos oitavos. No restaurante Pizza House, na Avenida Mao Tse Tung, mesmo junto ao edifício que alberga a Embaixada portuguesa, o ambiente é o mesmo de qualquer café em Portugal. As televisões estão todas sintonizadas nos jogos da ainda fase de grupos e a maioria das atenções está voltada para a equipa por essa altura ainda liderada por Julen Lopetegui. As conversas sucedem-se, assim como a troca de galhardetes entre uns benfiquistas trocistas e uns dragões nervosos — os azuis e brancos acabariam por não ser apurados. Com muito calão à mistura e alguns palavrões, escutam-se debates acesos sobre o que se passa pela Luz e pelo Dragão, como se ambos os estádios não se situassem noutro continente. Os gritos sucedem-se, assim como as cervejas, sem que o ambiente seja hostil ou agressivo.
Mais bélica seria a visita da manhã seguinte, à Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição. Edificado no século XVIII, próximo do porto de pesca, na Praça 25 de Junho, o forte original, que serviu inicialmente de presídio sob o comando de Joaquim de Araújo, era de planta quadrangular rodeada por um fosso. Mas poucos anos depois a pequena estrutura foi conquistada, saqueada e incendiada. A estrutura actual só viu a luz do dia na década de 40 do século passado, tendo sido reconstruído sobre os alicerces do original. Hoje, além de ser um refúgio de silêncio e calmaria no meio do rebuliço, mantém-se bem conservada, servindo de casa ao Museu de História Militar, administrado pela Universidade Eduardo Mondlane.
A conservação dos edifícios históricos não se fica por aqui e pela Estação Central de Caminhos de Ferro de Maputo, considerada uma das mais bonitas do mundo, os trabalhos parecem ser infindáveis. Sendo um dos edifícios públicos mais antigos da capital, localizado na Praça dos Trabalhadores, onde à sua frente nasceu, em 1935, o Monumento aos Mortos da Primeira Guerra Mundial, de Ruy Roque Gameiro e Veloso Reis, a estação foi inaugurada em 1910 tendo por base um projecto de Alfredo Augusto Lisboa de Lima, Mário Veiga e Ferreira da Costa. Da sua traça destaca-se a inspiração na estação de Joanesburgo, num edifício a branco e verde, do qual emergem três cúpulas, sendo a central de grandes dimensões. No interior, vive-se a frescura das sombras e um ambiente de certa forma cosmopolita, com um café/restaurante preparado para receber verdadeiras tertúlias, sem que em momento algum o passado seja posto para trás. Prova disso são as velhinhas locomotivas que permanecem em exibição — uma Ten Wheeler, que serviu até à década de 1940, e uma Four Wheeler, cujos serviços foram dispensados em 1928 — ou as fotografias que, penduradas na cobertura em ferro dos cais, relatam a história do edifício.
Outros edifícios públicos continuam a lembrar os tempos coloniais. Como os edifícios ministeriais que encontramos na larga e arejada Avenida 10 de Novembro, estrategicamente colocados de frente para a baía. Aqui, o ferry para Catembe permanece apinhado, enquanto a ponte, cuja obra arrancou há um ano e que está prevista terminar em 2017, não liga as duas margens. Enquanto isso, pelo paredão há quem passeie ou simplesmente relaxe à conversa com os amigos. Um grupo de jovens vai mais longe e parece improvisar uma sessão fotográfica de moda.