A opulência do palácio, no qual foram utilizados 70 mil m3 de pedra arenito e mármore, contendo mais de 300 quartos, dois teatros, piscina coberta, uma abóbada da sala central com 60 metros de altura e onde se chegavam a organizar banquetes para mais de mil pessoas, essa opulência — dizíamos — contrasta com a humildade dos pequenos cubos pintados de azul aos pés do forte, espalhando-se como num céu pintado apenas com algumas nuvens, as casas de outras tonalidades. Gajsingh II é um dos maiores promotores do turismo no Rajastão e a ele se ficará a dever, em parte, a popularidade de que goza Jodhpur entre os turistas, seduzidos pelo rótulo de cidade azul. Mas Jodhpur não é, no Rajastão, a única a gozar desse título — também Bundi se veste com a mesma tonalidade.
Por que razão são as casas pintadas de azul? Há quem o associe a Shiva, com o argumento de que aquele que é um dos deuses mais venerados da Índia ficou com a cara dessa cor depois de ter ingerido veneno. Se fosse essa a explicação, aldeias, vilas e cidades transformariam o país num mar azul. Há ainda quem defenda que, pelo menos em Jodhpur, são habitadas por brâmanes. Seguramente que algumas delas servem de residência a membros da principal casta indiana. E o que dizer do facto de a tinta azul ser mais barata, afastar as térmitas e os insectos e manter as casas mais frescas?
Olhando a cidade, com a torre do relógio recortando-se no meio, de pouco importa perceber a causa. O azul impele-me a virar costas ao forte, a descer e a vaguear por este céu na terra.
Petra, Jordânia: Uma rosa no deserto
Não há muitos lugares no mundo que despertem tanto o imaginário de viandantes como Petra. Um silêncio sepulcral acompanhou-me, nessa manhã de muito frio, ao longo de um desfiladeiro que me fazia sentir pequenino, verdadeiramente liliputiano, quando fitava as suas paredes subindo até 200 metros e desconfortável quando media a largura que por vezes não excede os dois metros. O céu cobria-se de cinzento, de um cinzento deprimente, mas eu idealizava, a qualquer momento, desfeita uma curva pronunciada, um cenário capaz de me provocar uma orfandade de palavras, de me fazer abrir a boca de espanto, como se com ela conseguisse, literalmente, engolir toda a sua beleza e esplendor, perpetuando-a na alma e na memória.
Avisto antes a silhueta de um camelo repousando sobre quatro patas, indolente, e, logo depois, subindo e descendo o olhar, a pedra esculpida, com uma sensibilidade e um detalhe que não parecem ser deste mundo, os mesmos elementos decorativos que levam viajantes a deixar-se seduzir por estes monumentos gravados na pedra para despertar sentimentos tão profundos. Desse mesmo encanto terá padecido, como que abalado por um tremor, Johann Ludwig (também conhecido como Jean Louís) Burckhardt há pouco mais de 200 anos, em 1812, quando os seus olhos se fixaram, provavelmente em êxtase, na cidade grandiosa e hierática.
Nascido em 1784 em Lausanne, este explorador suíço, profundo conhecedor da língua árabe e da religião muçulmana, viveu dois anos na Síria antes de empreender uma viagem entre Damasco e o Cairo. Feito prisioneiro durante 20 dias e forçado a viver em diferentes casas para se identificar com a hospitalidade (Welcome to Jordan é uma das frases que mais se escuta errando pelo país) dos locais, Johann Ludwig Burckhardt terá ouvido da boca de um beduíno a história, tão bela quanto enigmática, de umas ruínas situadas algures num vale das montanhas, em Wadi Musa (Vale de Moisés), em tempos remotos uma cidade que teria abrigado 20 mil habitantes.