Mais à frente, ia na dianteira com Gabriela quando avistei, ao alto, um folivora, popularmente conhecido por preguiça. Foi uma vitória pessoal ter vislumbrado, sem ajuda de outros olhos, aquele espécime, mesmo camuflado com as mesmas tonalidades cinzas do tronco onde estava abraçado. Ainda que de movimentos extremamente lentos, daí o cognome, os meus parceiros de caminhada já não chegaram a tempo de o ver ou fotografar; aliás, nesta penumbra, registar momentos para a posteridade é uma missão hercúlea, pelo que o melhor é perpetuá-los na memória. “Eles andam sempre disfarçados porque são o petisco preferido das onças. E estamos no seu território, por isso, nunca vimos desacompanhados para a mata durante a noite”.
Onças? Apressei o passo, não sei se para lhes fugir ou se para encontrar um dos meus animais fetiche. Prosseguimos a caminhada sob um mar de folhas que atapetam o solo, como na música de Nélson Cavaquinho. “Quando eu piso em folhas secas, caídas de uma mangueira...”. Mas aqui as folhas não eram de mangueira, mas de samaúmas, bacuris, mognos, jatobás, entre outras, todas imponentes. Durante largo período, Tito falava da importância de cada ser vivo e parava a cada som estridente, de aves ou macacos, catalogando-os na hora enquanto eu só identificava um uníssono estridente sem qualquer separação entre eles.
Enquanto nos deliciávamos com aquele mundo fenomenal, Tito pediu silêncio. “Ouçam! É o uacari [nome científico: cacajão calvus]. Ele anda por aqui.” Momentos de exaltação assomaram os nossos corpos, não estivéssemos perto de um dos exemplares que só existe nesta região. Foi para preservar esta espécie de macaco que o biólogo Marcio Ayres propôs a criação da Reserva Mamirauá. O guia não demorou a encontrá-lo mas foi uma peleja que nós também o conseguíssemos. Alguns arranhões ao passar pela densa vegetação e lá estava ele, aliás, eles, porque era um grupo de três. Apesar da distância, eles mantiveram contacto ocular e pela primeira vez considerei a hipótese de ter descendido do uacari. São de pelo branco polar (também há de pelagem laranja-pálido, amarelado e acinzentado) e de cabeça vermelha, cujo rosto depilado lhes confere um aspecto humanóide. O uacari é de hábitos diurnos e vive sempre na parte mais alta das copas. “O facto de raramente descerem ao solo complica o seu avistamento”, explicou Tito.
Samaúma, curupira e botos
Ninguém faz remos melhor do que Roberto Dantas da Silva, 54 anos, e pastor da comunidade. “A árvore gitó (ou guarea) é a melhor mas a madeira da pinhareira é mais resistente à água” conta-me enquanto plaina as partes rugosas. “Segue-se, depois, a obra da igreja, reconstruída a cada quatro anos devido às cheias que transformam as nossas casas em ilhas flutuantes.” Aproveito a prosa para lhe perguntar sobre o curupira, o defensor das florestas e dos animais. “Sim, conheço. Tem cabelos cor do fogo e os pés virados para trás, e quando se sente observado corre tão rápido que desaparece, não adianta persegui-lo”, assegura Dantas. “É dado às travessuras e prega partidas a quem encontra na selva, desorientando sobretudo os caçadores e lenhadores.