Fugas - Viagens

  • Reuters/Mariana Bazo
  • Ireneu Teixeira
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Amazónia: Mergulhar na floresta

E gosta de raptar crianças”, acrescenta, em tom de aviso, sobre uma lenda que garante ser real. “Ele existe mesmo e já raptou um menino de

uma comunidade próxima daqui e que apareceu um ano depois, bem tratado”, garantiu o pastor. Uma outra, e que é familiar a todos os amazonenses, é o conto do boto-cor-de-rosa. Para Tito esta não passa, porém, de invenção. “As moças vão a festas no exterior, aparecem grávidas e para esconderem as besteiras que fizeram dizem que foram os botos cor-de-rosa que as enfeitiçaram depois de se terem transformado em homens bonitos, bem vestidos”.

“Tem o boto sonso
Que aparece nos festejos
Pra fazer as moças
Liberaram seus desejos”

(Caminhos do rio, Raízes Caboclas

Imaginação fecunda, tal como férteis são as faroleiras samaúmas, a quem tirara as medidas no percurso entre Tefé e a comunidade. Este segundo dia de caminhada, após uma etapa inicial de lancha por entre igarapés, levou-nos ao encontro de algumas árvores lendárias. “A samaúma é a maior árvore da Amazónia (e uma das maiores do planeta), podendo chegar aos 70 metros de altura”. Segundo Tito, aquela que víamos devia ter uns 50 metros. “Esta é uma árvore fundamental para os povos da floresta. Devido ao seu porte, serve de localização para quem navega pelos rios e também serve de comunicação para quem está perdido na mata”. Tito bateu com uma catana nas descomunais sapopemas, as raízes da árvore, eclodindo num eco estrondoso. “É o telemóvel dos índios”, gracejou, para acrescentar. “E dos curupiras, que usam a samaúma para se comunicar e fazerem bagunça durante a noite”. Na realidade, a geografia plana e a massa verde florestal não ajudam à localização, pelo que as samaúmas representam pontos de referência, os GPS da floresta. A copa da samaúma é tão alta e aberta que parece segurar o céu, mas está sujeita aos ventos, tempestades e ao seu próprio peso e por isso se equilibra em enormes tentáculos, as tais sapopemas, “que entram até 300 metros para dentro da floresta”. Finda a trilha interpretativa, na volta, e à medida que navegámos nas águas mansas do Japurá, umas nuvens negras fizeram uma assembleia num céu tingido de clarões incandescentes e logo despejaram a sua fúria sobre a terra. Novo espectáculo magnânimo de uma natureza que não receia exibir-se nesta Amazónia de superlativos.

"Nos caminhos desse rio,

muita história pra contar

Navegar nessa canoa

é ter o mundo pra se entranhar..."

(Caminhos do rio, Raízes Caboclas)

 

O mundo dos ribeirinhos

Já vai alto o terceiro dia e rapidamente passamos a ser parte integrante da comunidade Boca do Mamirauá. Conhecer a Amazónia era um sonho antigo, de menino. E nesse quadro mental, a floresta era assim mesmo: alagada, repleta de cipós, árvores gigantescas de troncos descomunais e habitat de cobras, onças, jacarés e piranhas devoradoras de homens. Já sabia que os índios foram remetidos a reservas e que o ambiente não é propício à vida humana. Mas desconhecia o modo de vida destes caboclos guerreiros.

Inserido num contexto de tempo e espaço por demais dilatados, vivendo entre uma floresta abissal e rios e lagos cujas águas muitas vezes os tornam insulares, este é um povo que parece estar sempre à espera, que vive num cenário imutável, muitas vezes cruel e dadivoso, tendo como estrada trilhas líquidas que passam ao largo. Um povo de vida difícil e distante, das beiras dos rios que servem de celeiros, de onde tira a sua sobrevivência diária e as suas histórias de vida e de morte, um povo quase esquecido no tempo e no espaço, apenas lembrado e chamado de ribeirinho. “Se ficar doente não temos embarcação que nos leve, os meus netos não têm escola, falta remédio e fica tudo difícil, no Verão é pior e demoramos três dias de viagens para comprar comida”, desabafou ‘seu’ Wanderley, numa comunidade vizinha, em Uarini.

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