Fugas - Viagens

  • Sérgio Azenha
  • Sérgio Azenha
  • Arbour Hill, onde foram
enterrados, numa vala comum,
14 dos 16 líderes executados
    Arbour Hill, onde foram enterrados, numa vala comum, 14 dos 16 líderes executados Sérgio Azenha
  • General
Post Off ice, o
quartel-general
dos rebeldes;
    General Post Off ice, o quartel-general dos rebeldes; Sérgio Azenha
  • exposição no
Little Museum
of Dublin
    exposição no Little Museum of Dublin Sérgio Azenha
  • Richmond Barracks
    Richmond Barracks Sérgio Azenha
  • Kilmainham Gaol;
    Kilmainham Gaol; Sérgio Azenha
  • GPO Witness
History
    GPO Witness History Sérgio Azenha
  • GPO Witness
History
    GPO Witness History Sérgio Azenha
  • Glasvenin Cemetery
    Glasvenin Cemetery Sérgio Azenha

Continuação: página 2 de 10

A ''terrible beauty'' ou o nascimento de uma nação

É possível andar pelo centro Dublin quase sem nos apercebermos do que se passou nessa Páscoa de 1916 — as faces mais visíveis talvez sejam o GPO e o Garden of Rememberance, construído no local onde os líderes da rebelião passaram a primeira noite depois da rendição. Mas uma vez mergulhados na história sentimo-nos quase a viver em dois planos da realidade, a de hoje e a de há cem anos, separadas por um véu muito ténue e que um olhar mais atento ou um guia como Mick Langan desfaz rapidamente. Quase que podemos ver, entre edifícios decrépitos, os últimos resistentes do GPO a fugirem do acosso britânico, abrindo buracos entre os edifícios até chegarem ao último quartel-general. Mais difícil é atravessar a ponte bucólica, em pedra, de Mount Street Bridge e imaginar que ali foi o local de maior acção durante a rebelião, onde morreram mais de 200 soldados britânicos (incluindo reforços que chegaram de Inglaterra, ainda mal sabendo disparar uma arma, e que, ao chegarem, pensavam que estavam em França, cumprimentando as pessoas com alegres bonjours). E mais incongruente tudo nos parece se caminharmos um pouco mais junto do canal e chegamos a “Silicon Docks”, o hub dublinense das grandes empresas tech (Google, Facebook, Amazon, Twitter...), passando pelo Boland’s Mill & Bakery, local fulcral na estratégia dos rebeldes. Regressamos ao presente quando vemos camiões ao estilo militar, cobertos de fotografias a preto-e-branco dos dias da revolta, e com nomes de personagens centrais (passamos pela Countess Markievicz), que fazem a “1916 Freedom Tour”, como se anuncia na placa de destino.

“É a Irlanda”

Na manhã “do dia mais frio do ano”, garantem-nos, reunimo-nos no pub The International, uma instituição dublinense, aberto em 1888, onde o irish stew nunca falta no menu do dia. É o ponto de partida do “1916 Rebellion Walking Tour”, que Lorcan Collins, historiador, faz há 20 anos. “No início foi complicado”, recorda, “agora nunca falta gente”. Hoje seremos uns 15 — norte-americanos, ingleses, australianos, até irlandeses, “um fenómeno mais recente”. Primeiro uma contextualização que recua até à Grande Fome, em 1852: nesses dias, grandes navios saíam diariamente para Inglaterra, carregados de bens alimentares, na Irlanda morria-se de fome. “Os rebeldes de 1916 tinham, pelo menos, uma memória folk disto.” Na mesma altura surgiu a Irish Republican Brotherhood, os fenianos, e desta surgiriam os Irish Volunteers, liderados por Pearse, que, juntamente com o Irish Citizen Army, de James Connolly (os dois foram os líderes mais carismáticos da revolta), o Cumann na mBan, grupo feminino, e os Hibernian Riffles, se uniram para a Revolta da Páscoa. “Tínhamos causa, tínhamos gente, tínhamos armas, como poderia correr mal?” A pergunta é de retórica, veremos: “É a Irlanda.”

Collins tem o humor típico dublinense, mas não deixa as informações por mãos alheias — o mesmo se pode dizer do nosso guia, Mick Langan. Sim, os rebeldes “tinham” armas: iam chegar, vindas da Alemanha (seguindo a máxima “o inimigo do meu inimigo, meu amigo é”), por mar. Correu mal. O navio chegou mais cedo do que o previsto, foi detectado pelos ingleses e a tripulação optou por afundá-lo. Sem armas, uma facção decidiu cancelar o levantamento; outra decidiu adiá-la por um dia. Resultado: na segunda-feira de manhã foram poucos os que se dirigiram a Liberty Hall, donde haveriam de partir os rebeldes para tomar o GPO. Conta-se que chegaram de eléctrico (pagaram bilhetes), com armas rudimentares. Mantinha-se a causa.

--%>