Mais à frente, na conhecida Half Penny Bridge, que desemboca em pleno Temple Bar, a famosa zona boémia de Dublin (“da qual os dublinenses fogem”, nota Langan), em 1916 ainda se pagava a portagem “e os rebeldes pagavam-na”. Na outra margem do rio, ergue-se a cidade sobre as fundações vikings e por detrás dos telhados distingue-se o castelo de Dublin, símbolo do poder britânico na ilha. Foi aqui que James Connolly, ferido, esperou pela sua execução. A sala que ocupou é um memorial aos líderes mortos, com os retratos de todos e a bandeira irlandesa.
“Quando será suficiente?”
Connolly, que tinha feito parte do exército britânico, era um socialista convicto e o seu envolvimento com os grupos nacionalistas ainda hoje causa surpresa. Sobretudo se atendermos à ideia do “sacrifício de sangue” que se colou à Revolta de 1916, através de Pearse. Entre os seus escritos: “Foi necessário o sangue do filho de Deus para resgatar o mundo, vai ser necessário o sangue dos filhos da Irlanda para resgatar a Irlanda.” Mas não é esse o sentimento da Proclamação da República, que garantia “liberdade religiosa e civil, direitos iguais, oportunidades iguais para todos os seus cidadãos” e declarava o seu empenho “em perseguir a felicidade e a prosperidade de toda a nação”: aí lê-se a confiança absoluta na vitória. Não aconteceu. “Parece que perdemos. Não perdemos. Recusar lutar teria sido perder; lutar é ganhar. Mantivemos a fé com o passado e entregámos uma tradição para o futuro”, escreveu Pearse numa carta à mãe na véspera da sua execução. E, na verdade, depois das execuções, a Irlanda tinha ganho mais 17 mártires — ou, como disse George Bernard Shaw, a política britânica tinha feito heróis e mártires de poetas menores.
O resultado destes seis dias não é consensual: para uns, foi o momento fundacional da República, para outros foi o ponto de não retorno na divisão da ilha — para alguns, os seus ideais ainda não se cumpriram. Aos irlandeses, o que se pergunta durante este centenário é, como ouvimos num dos vídeos no novo museu do GPO, se valeu a pena. Voltamos à poesia: se fosse um poeta português a responder não haveria dúvidas. Afinal, “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Mas voltamos a Yeats: “Um sacrifício demasiado longo/ Pode em pedra o coração tornar. / Oh, quando será suficiente?”.
A Revolta da Páscoa em cinco passos – mais a diáspora irlandesa
Richmond Barracks
Diz-se que Richmond Barracks é o “capítulo perdido” da Revolta da Páscoa. Mas o quartel construído durante as guerras napoleónicas é o local onde foram julgados os cerca de três mil homens e mulheres que participaram na rebelião — os líderes foram identificados e transportados para o ginásio onde enfrentaram um tribunal marcial. Daqui, seguiram para a vizinha Kilmainham Gaol, onde seriam executados; os outros foram presos. Do enorme complexo militar restam três edifícios: um é ocupado por um centro de saúde, os outros dois estão a preparar-se para abrir, a 2 de Maio, cem anos exactos sobre o primeiro julgamento marcial. Serão um museu para explorar este período da história irlandesa e a sua participação na formação do Estado Livre: vai contar a história dos dois lados do conflito.