Até 28 de Março, o GPO era apenas o que é, um posto de correios em funcionamento, com um memorial aos rebeldes de 1916 na sala principal: uma estátua do herói mítico irlandês, Cuchulainn — a lenda diz que quando foi ferido mortalmente durante uma batalha se amarrou a um pilar para poder olhar de frente os inimigos mesmo na morte; um certo paralelismo com James Connolly, que, ferido de morte, foi feito prisioneiro e para a sua execução teve de ser amarrado a uma cadeira para enfrentar o pelotão —, com o texto da proclamação da República da Irlanda e o nome dos seus sete signatários como inscrição. A 29 de Março abriu um novo museu que ocupa uma das alas do edifício (ver texto nestas páginas).
Uma loucura gloriosa
Não é o único museu a abrir em Dublin que a pretexto do centenário da Revolta da Páscoa revisitam esses dias e a sua herança. Novos museus e exposições (de referir as do The Little Museum of Dublin: uma conta em ilustrações a história que conduziu à revolta; outra é uma homenagem a sete mulheres relacionadas com os líderes) vão ocupar o ano, mas nenhum é tão polémico como o projectado Moore St. Commemorative Centre. Todo o processo está em tribunal e na rua, entre as bancas de frutas e de flores e um forte odor a especiarias que se alinham nos passeios flanqueados de lojas que mostram como Dublin se tornou uma cidade multicultural (há chinesas, indianas, paquistanesas...), uma banca recolhe assinaturas para o movimento “Save Moore Street”. Diante deste, uma série de edifícios entaipados, cobertos pela faixa alusiva a 1916. Há cem anos, com os rebeldes completamente cercados, vendo os soldados britânicos a abater civis, Pearse decidiu-se pela rendição. Aqui terminaram os combates — o ponto final, esperavam os britânicos, aconteceria dias mais tarde, depois de executados todos os seus líderes e feitos prisioneiros centenas de rebeldes, enviados para uma prisão no País de Gales que foi uma espécie “de universidade nacionalista”, comenta Lorcan Collins, “saíram todos com doutoramento” (incluindo Michael Collins). Por estes dias, a modernidade digladia-se com a história: no número 16 foi o último quartel-general dos rebeldes e este edifício de tijolo laranja e os que o ladeiam são monumento nacional. Mas o que o movimento quer é que esse estatuto se estenda a toda a rua — entretanto, o Tribunal Supremo deu-lhes razão.
Há algo quase de sacrílego, dizemos nós, quando vemos a placa na agora chamada O’Rahilly Parade, espécie de traseiras desoladas da Moore St., com a última carta que The O’ Rahilly, como ficou conhecido, escreveu à mulher, já moribundo, neste local. Membro-fundador dos Irish Volunteers, foi ele que conduziu pela Irlanda com o anúncio do cancelamento da revolta mas quando regressou a Dublin e percebeu as movimentações juntou-se aos outros rebeldes — “Bem, eu ajudei a dar corda ao relógio. Posso também ouvi-lo tocar”, comentou com a condessa Markievicz, outra figura proeminente da rebelião, afinal, “é uma loucura, mas é uma loucura gloriosa”. Ferido mortalmente quando abria caminho para a fuga dos rebeldes, terminou a breve missiva dizendo “Foi, de qualquer forma, uma boa luta. Adeus, querida”.